quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Ensino

O Bengalão declara desde já que não é Professor. Não tem filhos em idade escolar. Não tem qualquer interesse privado ligado à Educação ou ao Ensino. Não é, assim, por interesse próprio que se interessa pela Escola. Hoje, o Bengalão recebeu uma carta que lhe tirou toda a vontade de usar o humor, memo ácido, como arma. Limita-se, assim, a copiar, na íntegra e sem comentários, retirando apenas o nome do seu singatário, porque nunca se sabe. E, se o Bengalão fosse Primeiro Ministro, sentir-se-ia insultado se alguém tivesse o cuidado de esconder o nome de outra pessoa para a proteger das possíveis consequências eventuais das suas opiniões. Mas o Bengalão é um homem de bem. Eis a carta que aumentou a indignação do Bengalão:

CARTA ENVIADA A VÁRIAS ENTIDADES E QUE MERECE A SUA REFLEXÃO:

Boa noite,
Peço-lhe, por favor, dedique uns minutos à leitura desta missiva, já que é imperioso alertar o país para o estado calamitoso para o qual resvala, irremediavelmente, a Educação em Portugal, caso não se faça nada em contrário. Sou professora e não alimento nem a ilusão nem a pretensão de conseguir mudar muito. Mas V. Excia tem os meios para promover essa mudança.
Vai-me permitir a brutalidade do discurso, mas a situação é gravíssima, muito mais do que transparece tibiamente para o exterior, e este governo incompetente, cínico e prepotente vai conseguir destruir, não apenas o presente, mas, mais gravosamente, o futuro. E não, não estou a ser dramática. Antes estivesse.
1º ponto - Avaliação do desempenho dos professores.
Deve ficar bem claro que os professores querem ser avaliados! Cansados estamos todos de sermos enxovalhados em praça pública, porque nada no sistema distingue os maus profissionais dos bons! Não queremos é esta avaliação. E não é por capricho. É por ser abusiva, quase que surreal, de tão distante que está do conhecimento objectivo da realidade escolar. É despótica e brutal em todos os âmbitos, desde a planificação à implementação… chegando, neste caso, a ser perigosa. A incompetência e falta de lisura dos senhores que comandam o Ministério da Educação são gritantes e raia o patético. Não só insultam os professores, mas insultam (e é bom que todos se consciencializem disso) todos os portugueses, sempre que tentam passar a imagem de competência e profissionalismo.
Passemos aos factos, que poderá constatar com toda a facilidade (e nem os mencionarei todos, por serem tantos).
É pedido, digo, exigido, às escolas que, num prazo de 20 dias, a contar da data de publicação do Decreto Regulamentar nº 2/2008, de 10 de Janeiro seja implementado o processo de avaliação dos professores com base em documentos, despachos, grelhas, recomendações que, decorridos quinze dias sobre aquele prazo, não foram tornados públicos:
· Faltam as recomendações do Conselho Científico (”os avaliadores procedem, em cada ano escolar, à recolha, através de instrumentos de registo normalizados, de toda a informação que for considerada relevante para efeitos da avaliação do desempenho. Os instrumentos de registo referidos no número anterior são elaborados e aprovados pelo conselho pedagógico dos agrupamentos de escolas ou escolas não agrupadas tendo em conta as recomendações que forem formuladas pelo conselho científico para a avaliação de professores.” - artigo 6º, ponto 1 e 2);
· sem aquelas recomendações, o Conselho Pedagógico não pode elaborar e aprovar os tais “instrumentos de registo”, nem se pode proceder à observação de aulas (artigo 17º);
· o regime da “observação de aulas” raia o absurdo, não porque os professores vejam inconveniente em serem observados (são-no, todos os dias), mas pela violência que representa para o avaliador. Invocando um Decreto Lei que, expressamente, referia que a redução dos departamentos para quatro apenas teria efeitos no concurso para titular (200/2007), o Ministério agora exige o que não é apontado neste despacho 2/2008: a reorganização dos departamentos naqueles quatro, instalando mais confusão num processo já de si tão escabroso e provocando a aglomeração grande número de docentes em cada um desses quatro departamentos. O meu, e do qual fui eleita coordenadora, entenda-se também, “avaliadora” (Departamento de Línguas), tem 31 professores. O das Ciências, por exemplo, tem quarenta e muitos professores. Como é possível que uma pessoa consiga assistir a três aulas por ano lectivo (neste ano, generosamente, apenas serão duas) de 30 professores? Além disso, como é possível acompanhar as planificações das aulas, diárias, desses trinta professores, reunir com cada um, definir objectivos, estratégias e instrumentos? Tudo isto mantendo um horário completo (sim, porque os avaliadores não têm redução alguma da sua componente lectiva, nem tão pouco qualquer alteração no seu salário, nem direito a horas extraordinárias), tendo o dever maior de cumprir com as suas turmas (que, para mim, é o realmente importante! Eu sinto-me responsável pelas minhas cinco turmas do 11º ano!), ao que acresce todo o trabalho burocrático e administrativo do Conselho Pedagógico, onde tenho assento e… as minhas próprias planificações! Sim, porque eu também serei avaliada, duplamente, como professora e como avaliadora! Poderei vir a tornar-me uma competentíssima avaliadora, mas, certamente, me tornarei numa pior professora. E isso é o que mais me angustia, porque eu gosto de dar aulas!
· é certo que no artigo 12º é apontada a possibilidade do coordenador “delegar as suas competências de avaliador noutros professores titulares, em termos a definir por despacho do membro do Governo responsável pela área da educação.”. Está bom de ver que… falta esse despacho.
· O que falta, por parte do Ministério, não se fica por aqui: falta o despacho que aprova as fichas de avaliação (artigo 35º), como falta o despacho relativo às ponderações dos parâmetros de avaliação (nº 2, artigo 20º), como falta o despacho conjunto de estabelecimento de quotas previsto no nº 4 do artigo 21º, como falta a portaria que define os parâmetros classificativos a realizar pela inspecção (nº 4 do artigo 29º), como falta o diploma que rege a avaliação dos membros dos conselhos executivos que não exercem funções lectivas (nº1 do artigo 31º).
· no artigo 8º pode ler-se: 1 — A avaliação do desempenho tem por referência: a) Os objectivos e metas fixados no projecto educativo e no plano anual de actividades para o agrupamento de escolas ou escola não agrupada; b) Os indicadores de medida previamente estabelecidos pelo agrupamento de escolas ou escola não agrupada, nomeadamente quanto ao progresso dos resultados escolares esperados para os alunos e a redução das taxas de abandono escolar tendo em conta o contexto socio-educativo.2 — Pode ainda o agrupamento de escolas ou escola não agrupada, por decisão fixada no respectivo regulamento interno, estabelecer que a avaliação de desempenho tenha também por referência os objectivos fixados no projecto curricular de turma.
Nada disto existia antes de 10 de Janeiro e não se altera o Regulamento Interno de uma Escola nem o seu Projecto Educativo, documentos estruturantes que envolvem a participação de todas a comunidade escolar (pais, professores, funcionários, alunos, autarquia) em 20 dias! A menos que se faça com a mesma rapidez, consistência e respeito pelos envolvidos com que o Ministério da Educação despacha leis.
2º ponto - Postura do Ministério da Educação
Creio que os aspectos já apontados seriam suficientes para traçar o negro perfil dos órgãos responsáveis pela área de educação, mas este Governo colocou a fasquia bem alta, daí que tenhamos notícia de algumas pérolas de… escapam-me já as classificações…. e que passo a enunciar (pelo menos, as que eu conheço pelos meios de comunicação social:
· Há dois dias atrás, a Sra Ministra respondeu aos jornalistas, a propósito do, chamemos-lhe, mal-estar manifestado pelas escolas, com a candura que caracteriza o seu discurso, que estavam reunidas todas as condições para se proceder à avaliação do desempenho e que o Ministério daria todo o apoio necessário (não encontrei a citação exacta).
No dia seguinte, é comunicado, através do site do Dgrhe (http://www.dgrhe.min-edu.pt/), que “a contagem dos prazos definidos no artigo 24º do Decreto Regulamentar 2/2008 iniciar-se-á na data da divulgação na internet das recomendações do Conselho Científico para a Avaliação de Professores”. Então, não estava tudo a decorrer com normalidade? Até se perdoaria este “lapso” não estivesse o documento eivado de muitas outras arbitrariedades!
· As cerejas no topo do bolo, porque são duas, chegaram hoje com as afirmações do Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Educação, Jorge Pedreira: «Os conselhos pedagógicos podem produzir os seus instrumentos sem essas recomendações. Não é obrigatório que as recomendações existam. O decreto regulamentar diz tendo em conta as recomendações que forem formuladas. Se não forem formuladas…»,
(http://sol.sapo.pt/PaginaInicial/Sociedade/Interior.aspx?content_id=77274)
Creio que nem será necessário comentar uma declaração deste tipo… diz na lei, mas se não aparecerem as recomendações…
Extrapolando: aqueles despachos em falta… se não aparecerem… as escolas improvisarão, que já vão tendo prática disso.
· A outra cereja prende-se com o tal “Conselho Científico”. Aliás, está prevista para hoje a apresentação das famigeradas “recomendações”. O grotesco desta aparente prova de competência está bem expressa em mais uma afirmação do Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Educação, que refere que, estando “em funções há vários meses”, a presidente do Conselho Científico, esta elaborará as recomendações!
(http://dn.sapo.pt/2008/01/25/sociedade/ministerio_improvisa_solucoes_para_r.html)
Se isto não é um insulto a tudo o que são os princípios de um estado democrático, já não sei mais o que pensar!
Ora, lê-se no documento aprovado em Conselho de Ministros que regulamenta o Conselho Científico que “Este órgão consultivo será constituído por um presidente, cinco professores titulares em exercício efectivo de funções na educação pré-escolar ou nos ensinos básico e secundário, cinco individualidades em representação das associações pedagógicas e científicas de professores, sete individualidades de reconhecido mérito no domínio da educação e por três representantes do Conselho de Escolas (http://www.min-edu.pt/np3/1459.html).
· Por fim, o próprio Conselho Nacional de Escolas, criado para trabalhar em conjunto com o Ministério da Educação, levando para a mesa de trabalho a experiência de quem lida directamente com as escolas e seu funcionamento prático, tem feito várias recomendações às quais o Ministério não dá ouvidos
(http://jn.sapo.pt/2008/01/25/nacional/conselho_escolas_quer_adiar_avaliaca.html).
O que prova que este Conselho foi criado, apenas, para o Ministério poder invocar uma relação de lisura com as escolas que não acontece de todo. Em anexo, colocarei as propostas apresentadas por este Conselho.
3º e último ponto - Qualidade de ensino.
Este é, a meu ver, o aspecto mais terrível desta arquitectura que o Ministério montou. Custa-me, na verdade, acreditar que pessoas de bem ajam com tanta leviandade e desprezo pelo futuro do país e é esta a razão da premência do meu apelo:
- esta torrente de grelhas, recomendações, parâmetros, planificações diárias, instrumentos, registos e afins esgotarão os professores num trabalho inglório e improdutivo, pois não estarão a trabalhar para os alunos, mas para a sua avaliação;
- o mais grave, ainda, gravíssimo! A subordinação da avaliação do desempenho dos professores e a sua progressão na carreira ao sucesso dos alunos (artigo 16º):
5 — Para o efeito da parte final do número anterior o docente apresenta, na ficha de auto -avaliação, os seguintes elementos:
a) Resultados do progresso de cada um dos seus alunos nos anos lectivos em avaliação:
i) Por ano, quando se trate da educação pré -escolar e do 1.º ciclo do ensino básico;
ii) Por disciplina, quando se trate dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário;
b) A evolução dos resultados dos seus alunos face à evolução média dos resultados:
i) Dos alunos daquele ano de escolaridade ou daquela disciplina naquele agrupamento de escolas ou escola não agrupada;
ii) Dos mesmos alunos no conjunto das outras disciplinas da turma no caso de alunos dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário;
c) Resultados dos seus alunos nas provas de avaliação externa, tendo presente a diferença entre as classificações internas e externas.
Tenho a certeza que reconhece de imediato o perigo que isto constitui… nada mais fácil para um professor que “produzir” sucesso. Aliás, estou convicta de que é essa a intenção deste Governo, para assim poder ostentar, com orgulho, as grelhas e os números e o inquestionável sucesso destas medidas… porque os números estão acima de qualquer dúvida!
E, na verdade, tudo estará podre, sob essa capa de êxito. O sistema público de ensino passará a ser um faz-de-conta, um recinto para entreter os jovens… aqueles que não puderem pagar uma escola privada, que lhes garantirá um ensino exigente.
E não olhe com esperança para a alínea c!… a avaliação externa só existe em algumas disciplinas e em alguns níveis de ensino. Como vê… mais um factor de desigualdade entre professores: uns nunca passarão por essa bitola e serão, com toda a certeza, professores de sucesso! E já nem falo do que é subordinar a qualidade do desempenho de um professor à heterogeneidade das turmas que encontra (ambiente familiar e social, motivações pessoais, capacidades cognitivas, enfim, muitos dados em jogo). Eu já tive boas, menos boas e más turmas: será que a minha competência varia tanto?
Peço perdão pela extensão desta carta, mas o problema é por demais sério e, infelizmente, as arbitrariedades são tantas que não as consegui reduzir a menos.
Creia-me, preocupada, mas esperançosa, no poder que a comunicação social exerce sobre a opinião pública. Neste momento, o problema não é só dos professores, é do país inteiro. É uma cidadã, professora e mãe que lhe escreve.
Com elevada estima,
Nome
Cargo desempenhado

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Fábulas

O Bengalão gosta muito de histórias. Conta-se na Beira que um homem, mais dotado pela natureza para sacrificar a Baco que para prover uma casa de todos os precisos, chegou um dia a casa mais para lá do que para cá. Foi à arca do pão e encontrou-a vazia. Oh mulher dum raio, que é do pão? Então tu tens a masseira, tens a peneira, e não fazes pão? Oh homem, pois se não temos farinha... E ela a dar-lhe com a farinha. Tens a peneira, tens a masseira... Oh homem, mas não tenho farinha! E a porca a dar-lhe com a farinha...
Ora a que propósito vem esta história? Será que o Bengalão, que se quer granítico de bom senso, terá perdido a memória RAM? Pois não, Leitor. O Bengalão aqui está, quase sensaborão. Vem esta história a propósito do côro de virgens pudibundas que uma vez mais se ergueu quando o Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados repetiu o que já tinha dito: que Portugal, desde as mais altas esferas do poder, está minado pela corrupção. E que dizem elas, as pudicas? Pois dizem: E a porca (com licença de Vossa Senhoria) a dar-lhe com a farinha... Ou seja, se faz acusações, apresente provas. E bem pode o Senhor Bastonário dizer que não tem farinha, ou seja, que que não está a fazer acusações, está apenas a constatar o que todos sabem.
Para que ninguém possa acusar o Bengalão de atacar sempre os mesmos, dois exemplos simples, passado sobre eles o tempo suficiente para os olharmos desapaixonadamente.
Em Agosto de 2005, o Presidente do Tribunal Constitucional era conduzido pelo seu motorista, a 200 km por hora, na autoestrada, a 28 km de Lisboa e em direcção à capital. Era meio dia e oito minutos. A GNR constatou a infracção e não agiu. Segundo o responsável da GNR, não agiu por uma questão de simples bom senso.
Interrogado pelos jornalistas, a primeira reacção se Sua Excelência foi torpe: disse que era o motorista, e não ele, que conduzia. Não há outra palavra. Descarregar a responsabilidade própria (mesmo moral) para um subordinado é uma torpeza. A segunda reacção de Sua Excelência foi dizer que estava com pressa, porque tinha uma reunião importante em Lisboa.
Ora Sua Excelência era Guardião da Constituição da República. Não ignorava Sua Excelência que, sendo todos os cidadãos iguais perante a Lei, estava a dizer que nós, quando temos uma reunião importante em Lisboa, podemos guiar a 200 km/h.
Acresce que a tal reunião começava às 15 horas. Ou seja, que podia ser verdade que Sua Excelência tinha pressa, mas também é verdade que Sua Excelência mentiu.
Que disse a isto o Conselho Superior da Magistratura? Que disse a isto o Sindicato dos Magistrados? Nada. Entraram mudos e sairam calados.
Outro caso. Em 17 de Fevereiro de 2006, o Presidente do Supremo Tribunal Administrativo nomeou, por indicação do Vice-Presidente do mesmo Tribunal e para o cargo de secretário pessoal deste, o sobrinho do dito Vice-Presidente. O mancebo tinha 25 anos e era (e continuou a ser até ao fim desse ano lectivo) estudante pós-graduado da Faculdade de Direito da Universidade (do Porto!!!!).
Entendamo-nos. A nomeação é perfeitamente legal. O jovem tinha de certeza qualidades. Até era jogador de xadrez, aliás de algum nível. E tinha tentado, sem êxito, obter um lugar de deputado nas eleições do ano anterior (para se ver que o Bengalão não zurze só o Arco da Governação, diga-se desde já que o mocetão foi candidato do Bloco de Esquerda). A questão não é essa. Longe do Bengalão (Vade retro, S. Tomás, como diz o Ingenhêro que já na catequese tinha da assiduidade a mesma ideia vaga que havia de o tornar famoso na Universidade Independente). Mas não sendo possível que um jovem sem experiência profissional fosse, indubitavelmente, o mais competente dos possíveis nomeados, segue-se que teria sido prudente pesar outros valores. A Justiça não pode apenas ser séria. Tem também de o parecer. E não parecem sérios, aqueles dois nomes de família iguais, lado a lado, no Diário da República. Os superiores interesses da Justiça teriam recomendado outra prudência. Sua Excelência Meritíssima não foi assim prudente e não sopesou convenientemente os dois interesses em conflito. O problema é que essas são as duas qualidades essenciais de um Juiz. E Sua Excelência Meritíssima não se demitiu.
E o Conselho Superior da Magistratura nada disse. E o Sindicato dos Magistrados disse nada.
E a porca a dar-lhe com a farinha? Ora! Bengaladas!!!

Remodelação

O Bengalão tem pouco a dizer sobre a remodelação. É claro que as pessoas contam. E não é a mesma coisa ter pela frente um Dominicano como o Sr. Correia de Campos ou um Jesuíta como o Sr. Bagão Félix. Mas o que é importante é a política que o Ingenhêro lhes manda fazer.
Um dos actos mais controversos da anterior Ministra da Cultura foi a entrega da sala de exposições mais prestigiada do país a um coleccionador privado, comprometendo-se ainda, em nosso nome, a comprar-lhe a colecção daqui a uns anos.
O Estado Português não tem um único grande museu nacional de arte contemporânea. A política do Estado Português para a Arte contemporânea centra-se, assim, na colecção Berardo.
Uma pausa, para sermos claros. O Bengalão não defende que o Estado tenha uma política para a Arte contemporânea. Se o Bengalão pudesse, passava as suas tardes em Serralves, que não é estatal e onde o Bengalão viu algumas das mais bem organizadas exposições da sua vida. Não. O Bengalão conhece países em que o Estado intervem, fortemente, na produção artística contemporânea. O Bengalão entende que isto tem vantagens: mais protegidos, os artistas podem dedicar-se ao que melhor sabem fazer, obras de arte; e entende que isto tem inconvenientes: em última análise, é o Estado, e não os artistas, que decide os caminhos da Arte. O Bengalão conhece também países em que o Estado não se mete nessas coisas. Os artistas têm aí toda a liberdade e nenhuma protecção. O Bengalão acha, portanto, que qualquer das posições é defensável. O Bengalão tem a sua opinião, olha quem, mas ela não vem aqui para o caso.
O Bengalão teria compreendido que a Senhora Ministra da Cultura tivesse declarado ao país: O Estado não tem política para a Arte contemporânea. Os Senhores Pintores que pintem, os Senhores Escultores que esculpam, os Senhores Fotógrafos que fotografem. O Estado, o mais que fará, se tiver tempo e estiver para aí virado, é ir à vernissage.
Teria o Bengalão igualmente compreendido que a Senhora Ministra tivesse informado os cidadãos: A política do Estado para a Arte contemporânea é a seguinte: O Estado gosta muito de verde. Portanto, Senhores Pintores, aos pincéis, Senhores Escultores, aos escopros, Senhores Fotógrafos, às objectivas. O Estado cá estará para vos pagar. Mas de verde.
O que o Bengalão não consegue compreender é que a Senhora Ministra tenha dito: O Estado tem uma política para a Arte contemporânea. É, ponto a ponto, linha a linha, coincidente com o gosto e com os interesses financeiros do Sr. Comendador Berardo.
Isto, o Bengalão não entende. Por isso o deixa preocupado que, para substituir a Senhora Ministra, tenha sido escolhido um jurista, administrador da colecção Berardo.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Reconhecimento

Numa das suas últimas mensagens, o Bengalão disse que o Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados não tinha referido a promiscuidade que resulta da continuação da actividade de advogados enquanto exercem o seu mandato de deputados. Era verdade. Fê-lo hoje, na abertura do Ano Judicional. Daí o reconhecimento do Bengalão.

Demissão

Apesar do que disse na sua última mensagem, não se pense que o Bengalão ficou muito contente com a demissão do Ministro da Saúde (e já agora, com a da Ministra da Cultura, que também tinha que se lhe dissesse. O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais pediu para sair. Deve ser homem de bem). E não ficou muito contente porque o problema não é só o Ministro. O problema é o projecto de quem nos governa. Quando o Bengalão diz "quem nos governa", não se refere a este Governo, ou ao partido que o sustenta. Não. O Bengalão ainda não viu diferenças entre o projecto de sociedade do Ingenhêro, o do Luís Filipe e o do Paulinho. (Veja-se o que há tempos se disse sobre o Arco da Governação). O Bengalão refere-se assim a todos eles, mais a quem neles manda. O Bengalão já está a ver daqui quem, de dedo em riste, o acuse: mais um comuna, com a cassette da mudança de política. Não é verdade. O Bengalão é um democrata convicto. O Bengalão acredita que projectos diferentes de sociedade devem ter a oportunidade de governar em alternância, para se ir atingindo, lentamente, equilíbrios diferentes que acabam por mudar os próprios projectos. Democracia é isto. Quem não acredita nisto são eles, que tudo fazem para impedir a alternância. Para que a Democracia funcione, várias coisas são necessárias. Entre estas, está uma luta sem quartel contra a corrupção. Mas a corrupção não é apenas a a sua forma mais brutal, em que um pato bravo paga a um mafarrico qualquer para este lhe dar um jeito. Não. Há formas mais subtis. Um exemplo, à laia de fábula:
Era uma vez dois rapazes, quinze anos, alunos do mesmo Liceu. Um deles, aluno extraordinário, gostava de estudar. O outro estroina, dedicava-se mais à militância na juventude do Partido de que o pai era deputado. (Vês, Leitor, que podes pôr aqui o nome de vários partidos? E acredita que é com mágoa que o Bengalão o diz). No fim do nono ano, o primeiro seguiu naturalmente os seus estudos. O outro foi para um Colégio privado de um amigo do pai onde, como por milagre (e para provar que o ensino privado é muito melhor que o público), começou a ter boas notas. No fim do ensino secundário, entrou na Universidade Independente, onde o papá era administrador e a mamã professora. O seu colega, brilhante como sempre, entrou no Instituto Superior Técnico, onde, alguns anos depois, se licenciou com 19 valores. O militante lá conseguiu terminar um curso com 10.
Achas, Leitor, que o Bengalão exagera, que as coisas não são bem assim? Claro que não são exactamente assim. O Bengalão tem consciência de que isto é uma caricatura. Mas, Leitor, confessa, não reconheces o retrato? Achas que é apenas imaginação do Bengalão?
Continuemos, portanto. O que aconteceu aos nossos meninos? Pois o que já se sabe. O filho do Senhor Deputado foi contratado para o Gabinete de um dos Ministros amigos, com um salário de 3500€ mensais, com descontos para a pensão e para o fundo de dsemprego, porque, não é, nunca se sabe o dia de amanhã. O outro, que gostava mesmo de estudar, resolveu fazer um doutoramento, concorrendo à Bolsa mais prestigiosa do país, a da FCT. Entre muitos candidatos, e porque era mesmo muito bom, ganhou. O Estado dá-lhe menos de 1000 € por mês, sem descontar para uma pensão ou para o fundo de desemprego. Quando terminar o doutoramento, se não arranjar emprego, nem subsídio tem. Se arranjar, começa finalmente, aos trinta e tal anos, a descontar para a sua pensão de reforma.
Entretanto, o Ingenhêro continua a dizer estas duas coisas espantosas: Primeiro, que é necessário descontar mais anos para a reforma, segundo, que o futuro do país é a sociedade do conhecimento. E os nossos melhores jovens olham-no com desprezo e vão procurar, noutro país, um ambiente menos fétido.
Corrupção é isto. Por muito legal que seja. Por muito que se façam campanhas a mostrar que Portugal é um país moderno e civilizado. Não é. É um país corrupto. Todos conhecemos os culpados. Somos nós.

Haja saúde

O Bengalão confessa que é um espectador atento dos debates parlamentares. Há uma cadeia de televisão, incluida no pacote de canais que o Bengalão recebe, que transmite, alternadamente (não, a palavra não vem de alterne), os debates da Assembleia da República e os dislates de um bufarinheiro que vende uns produtos à base de plantas e que curam tudo, da eriplsela ao cancro da mama. Imagine-se o que o Bengalão poderia agora dizer, aproveitando esta proximidade digital, para diminuir ainda, se possível, a imagem dos nossos representantes. Mas o Bengalão é um homem sério, não cede à facilidade nem é um demagogo barato. Conhece até pessoas que são o exacto oposto disso. São os nossos caros demagogos. Mas não, o Bengalão não vai aproveitar a oportunidade de ... Não, não vai mesmo.
Não se estranhe, assim, que o Bengalão tenha já assistido, e por várias vezes, às actuações públicas do Senhor Ministro da Saúde. O Bengalão, fino observador, reparou que Sua Excelência, quando responde a uma pergunta, arvora um sorrizinho, que aliás é semelhante ao da D. Lurdes, que lhe recorda o nome por que ficou conhecido em França um primeiro ministro da República, Edouard Baladur: Sa Courtoise Suffisance Balamou I. Deve ser do excesso de informação. O Bengalão confessa que não sabe.



Como estamos em maré de confissões, o Bengalão confessa ainda que não tem a formação necessária para julgar a justeza das medidas do Ministro da Saúde. O Bengalão não faz a mínima ideia do número de intervenções de urgência necessárias para que um urgentista esteja em forma, nem do número de partos precisos para que um obstetra se porte, na altura do nascimento de mais um cidadão, como o Cristiano Ronaldo em Manchester.
O Bengalão não sabe. E, como não sabe, não fala disso, para não ser condenado a ouvir, para o resto da sua vida, os Concertos para violino do Chopin, como aconteceu há uns anos a um Ministro da Cultura, actual assessor jurídico de uma empresa pública e titular de outros cargos sumarentos. Mas há coisas que o Bengalão sabe. O Bengalão sabe, por exemplo, que, se se quiser atrair pessoas para o interior, é necessário não esbulhar completamente a região dos serviços mínimos que a podem tornar atraente. O Bengalão sabe que, na época em que os partos se faziam com a ajuda de Deus e das tias solteiras, na mesma cama em que os filhos foram feitos, o aparecimento de uma parteira sem experiência salvou muitas vidas. O Bengalão sabe também que quem não tem cão caça com gato e que quem tiver muita fome até de furão faz. Ou seja, o Bengalão, ignorante como é, tem pelo menos aquilo a que o Ingenhêro, se soubesse Inglês, chamaria a sua pitadazinha de horse-sense.
O Senhor Ministro da Saúde, que sabe muitas coisas, não sabe isto. O Senhor Ministro da Saúde sabe muito, principalmente números. De cada vez que alguém lhe diz alguma coisa, o Senhor Ministro responde com números. Ó Senhor Ministro, então o caso daquele idoso...? Nem o deixa acabar. 327, fulmina-o. E o encerramento do SAP da Anadia? 423, diz ele. E as ambulâncias? 89745, dispara o Ministro. E cada audição de Sua Excelência parece um concurso de cauteleiros. E nós continuamos a esperar que nos saia a Sorte Grande.
Os casos recentes de Trás-os-Montes mostram bem o que se passa. Encerradas as urgências, foram substituidas por um esquema de transportes em meios que dependem da gravidade que é determinada por telefone, nem sempre por um médico. O doente é transportado a uma distância que chega a ultrapassar os 50 km. O Senhar Ministro da Saúde, que nunca andou pelas estradas secundárias de Alijó no inverno, garante que ninguém está a mais de 1 hora de Vila Real. Santa Ignorância! Mais. O Senhor Ministro garantiu que estava tudo preparado. Mas o Senhor Ministro contava com os Bombeiros Voluntários e com a sua preparação. Contava com ela, sublinhe-se. Não lhes deu formação, não informou as respectivas direcções de quem era responsável pelo gasóleo e pela manutenção das ambulâncias. Nem pensou que era natural que, à noite, estivesse apenas um Bombeiro de serviço, não necessariamente com formação na área das urgências. E não pensou porque o negócio dele é números. Quer dizer, o Bengalão, que é bem educado, não dirá que o Senhor Ministro, quando disse que estava tudo preparado, mentiu. Dirá antes , como diria o Ingenhêro se soubesse Inglês, que ele usou de economy with the truth.
Ainda estes casos estavam frescos, foi posto na rua de um hospital um idoso que se queixava, provavelmente, de uma cólica renal. O seu estado de debilidade saltava aos olhos do motorista de taxi. E aquele Senhor estava nu. Nu. Não foi tratado. Foi humilhado. Foi obrigado a atravessar a rua em que morava despido, mal coberto pelo xaile da mulher. Umas horas depois, foi de novo levado ao hospital e morreu. Ninguém se demitiu. O Senhor Ministro ofendeu-nos com números, quando foi interrogado. Nas últimas intervenções públicas de Sua Excelência, tem ele repetido, várias vezes, a expressão "ente querido", como se diz na frieza das notícias necrológicas. O que o Senhor Ministro não aprendeu foi a pedir desculpa. Em nosso nome. De todos nós, que deixámos, no século XXI, um Homem morrer, aos 75 anos, nu, sob os olhos espantados da companheira, em nome da eficiência. Nós. Que não nos escandalizamos. Que não chamamos os bois pelos nomes. Que não dizemos ao Senhor Ministro que ele sabe muito. Muitos números. Pode ser um excelente assessor, de alguém que saiba menos de números e mais de pessoas. Para Ministro não serve. Ministro quer dizer Servidor. E Sua Cortês Suficiência tem demasiadas certezas para estar ao nosso serviço.

domingo, 27 de janeiro de 2008

Isto anda tudo ligado

Pois é. Isto anda tudo ligado. O Bengalão queria falar sobre o tabaco e a ASAE. Teve de falar noutra coisa que, no fim de tudo, o conduziu aos LEGOS, que era também uma boa maneira de falar da ASAE e do tabaco. Estava a pensar como havia de juntar as pontas quando, ligado o rádio, ouviu o Botas (não o Velho, mas o novo Botas) dizer que a ASAE é como a PIDE. O Bengalão acha normal. O Botas sabe lá o que é a PIDE... O Botas, que nos habituou a uma elegância que só tem paralelo com a sua inteligência, estava apenas a fazer o que melhor sabe: produzir inanidades.

É verdade que algumas actuações da ASAE nos deixam boquiabertos. Quando a ASAE encerra a Ginjinha, é natural que o Bengalão se interrogue sobre a sensatez da decisão. Mas o que nunca ninguém contestou foi a legalidade da decisão. Ora a ASAE é apenas uma Polícia. Cumpre-lhe aplicar a Lei, e não fazê-la. Se a ASAE, no cumprimento da Lei, faz algo que nos parece errado, a culpa não é da ASAE, é da Lei. E quem são os primeiros a criticá-la? Pois os LEGOS. Os que fizeram a Lei. Quer dizer, provando a actuação da ASAE que a Lei está mal feita e que quem a fez é incompetente, os LEGOS, em vez de pedirem desculpa da estultícia e de se atirarem ao estudo e ao trabalho, corados e de orelhas murchas, acusam a ASAE de ter chamado a atenção para a incapacidade de Suas Insolências.

Queres um exemplo, caro Leitor? Os LEGOS, na sua Suficiência fizeram uma Lei contra o uso do tabaco. Ao contrário de muitos comentadores apaixonados, o Bengalão não é afectado pela Lei. Não fuma, raramente vai a restaurantes onde se pudesse fumar, não vai a discotecas ou a casinos. Mas fizeram-na. Tão bem ou tão mal, que uns dias depois teve o Director-Geral da Saúde de vir prestar esclarecimentos sobre a correcta interpretação da Lei, quer dizer, mostrar que a Lei tinha sido mal feita.
A Lei entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2008. E logo foi fotografado o Inspector-Geral a fumar no Casino de Lisboa. A partir daqui, a espiral da criatividade nacional mostrou-se no seu melhor. O Bengalão explica, por ordem e com calma.

ACTO I
O Senhor Inspector-Geral, que fora apanhado a fumar num local público fechado e que não tinha cumprido o seu dever, multando o Casino por não ter os cartazes a dizer Proibido Fumar, veio declarar que a Lei se não aplicava nos Casinos. Poucas vezes a criatividade nacional se mostrou tão verdejante.
ACTO II
O Representante dos Casinos de Portugal aproveitou a finta e apressou-se a daclarar que os Casinos tinham de ter um tratamento especial, porque eram essenciais para o Turismo. O Bengalão admite que é muito viajado e que encontrou na sua vida muitos turistas que lhe deram as mais variadas razões para virem ou terem vindo a Portugal. Conheceu mesmo um turista que queria vir a Portugal porque sempre simpatizara com espanhois. Também conheceu muitos turistas que queriam ir a casinos. Mas os que querem ir a casinos querem ir a Las Vegas, Mónaco, Macau ou até, nalguns casos, ao Botswana. Agora, turistas que quisessem vir a Portugal pelos casinos, nunca encontrou nenhum. A não ser um Napolitano, visceralmente habituado ao caos da sua cidade, achando-a demasiado organizada desde que Prodi, o Bolonhês, tinha subido ao poder, que queria vir a Portugal, ver "il casino, il vero".
ACTO III
Os LEGOS, que são, lembremo-lo, autores da Lei, protestaram e obrigaram o Senhor Inspector-Geral a ir à Assembleia meter os pés pelas mãos.
O que os LEGOS não explicaram a ninguém foi o seguinte: Ao incluirem na Lei um artigo que dizia "Esta Lei entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2008", esperavam estes monumentos da inteligência que todos os proprietários de estabelecimentos em que as pessoas comemoravam o fim de ano fossem, ao bater da meia-noite, instalar os cartazes de proibição e interromper o cantor que cantava "Você diz que a cachaça é água" para dizerem com voz rouca ao microfone: "Minhas Senhoras e meus Senhores, a partir deste segundo é proibido fumar"? Era isto que esperavam Suas Excelências? Oh Zoilos!
Qualquer bedel da Universidade Independente era capaz de lhes dizer: Oh Senhores Engenheiros, se calhar é melhor a Lei entrar em vigor no dia 2, ou até no dia 3.
Oh Botas, estás a ver por que é irrelevante o que tu dizes da ASAE? É que tu pertences àquele grupo, ao tal que, tendo parido aquela Lei, acusa quem a faz aplicar de todos os males.

LEGOS

O Bengalão admite que é preguiçoso. Estava o Bengalão, que, confesse-se com coragem, já atingiu a idade das dignidades abaciais, a meditar sobre a melhor maneira de te dizer, caríssimo Leitor, o que pensa sobre o tabaco a a ASAE, quando rebenta o escândalo. O Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados resolve dizer o que toda a gente sabe. Como se sabe, o crime mais grave em Portugal é exactamente este, o de dizer o que toda a gente sabe, é mesmo o único crime, dos que não envolvem sangue, que é punido. Ora o que disse o Senhor Bastonário? Pois disse que, em Portugal, há uma promiscuidade entre negócios e política que fazem com que a corrupção seja endémica. O Bengalão acrescenta aos negócios e à política a comunicação social. Não acreditas, Leitor? A tua ingenuidade comove-me. É ou não é verdade que os DOIS últimos primeiros ministros que houve em Portugal, antes de o serem, eram comentadores políticos numa estação de TV? É ou não verdade que quem nós vemos a comentar a realidade política são pessoas profundamente comprometidas com os partidos políticos? O Bengalão acrescenta ainda as Universidades privadas e os politécnicos, mesmo públicos. Estará o Bengalão a exagerar? Faz um exercício, Leitor, e vai à internet ver a lista de pessoas que, nos últimos anos, ocuparam cargos na gestão de Universidades privadas em Portugal. Anda, vai ver. O resultado mostra que todos eles têm um interesse objectivo em fazer duas coisas: descredibilizar o ensino público e calar a lama que é o ensino superior privado em Portugal. (O Senhor Cardeal Patriarca, paciente e generoso como é, perdoar-me-á que só depois de dito isto reconheça a qualidade da Universidade Católica). Interesse objectivo, disse eu. Quero dizer, têm dinheiro a ganhar com isso.
Estávamos a falar do Senhor Bastonário do Ordem dos Advogados, que falou, e bem, em promiscuidade. Lamentavelmente, esqueceu-se de uma das mais evidentes. Cerca de 20% dos Deputados da Nação (pobre Nação!) são Advogados. Não, caro Leitor, não são juristas, são, e exercem, Advogados. Quer dizer, um sujeitinho pode estar, de manhã, a procurar fazer aprovar na Assembleia da República uma Lei, no uso do seu mandato popular, para, à tarde, no seu escritório a invocar, no uso do seu mandato fiduciário. É tão simples como isto.
Claro que a intervenção do Senhor Bastonário provocou o habitual côro de virgens ofendidas. Todos eles, o Ingenhêro, o Luís Filipe, o Paulinho (o Bengalão aproveita para esclarecer que se limitou aqui, por óbvias razões de espaço, àquilo a que o PP, em bicos de Ppés, costuma chamar, com piada, o Arco da Governação, nome bonito, sólido, de bairro antigo, então onde mora, moro na Rua do Arco da Governação, nº3, 2º andar direito, digam-me lá se não cheira logo a mangerico?). Todos eles assumiram uma pose de Estado (já viste o Paulinho a assumir pose de Estado? Vê bem, vale a pena, faz cara de mau, que o Estado é uma coisa séria, mas, não sei por quê, fica com cara de Cantinflas) e disseram mais ou menos isto: Ai ele acusa? Então que prove. Leitor, se estiveres distraído, até podes pensar que eles têm alguma razão. Mas o Bengalão, que os conhece de ginjeira, vê mais longe. É claro que, quando alguém acusa outra pessoa de ter ido contra a Lei, deve prová-lo. Mas não é disso que se trata aqui. Aquilo de que se trata é que há milhares de casos em Portugal em que gente ligada ao poder ganhou dinheiro e posições, de uma forma perfeitamente legal, mas absolutamente imoral. O Homem das Estradas, que, enquanto ministro, deu uma concessão bilionária a uma empresa e, quando deixou de o ser, passou a Presidente da mesma empresa (dir-me-ão que ele era ultracompetente naquela matéria e por isso foi contratado, mas nem isso. Era ele o Ministro responsável das estradas quando foi construido o IP5, com dinheiro da CEE. Ele deve ter sido a única pessoa em Portugal que não percebeu que, dado o previsível aumento de tráfego decorrente da adesão, se devia construir uma auto-estrada. O resultado foi que, uns anos depois, foi preciso fazê-la, deitando fora mais uns milhões de contos) pode ter cumprido escrupulosamente a Lei, mas isso não faz dele um homem de bem. O que está aqui em causa, portanto, não é se houve ou não crimes, embora também isso seja importante, mas se os Senhores Legisladores fazem bem o seu trabalho, ou até, horribile visu, como diria o Ingenhêro em Latim se tivesse estudado numa boa escola inglesa, se legislam assim exactamente para permitirem quer estes casos se passem. O Bengalão tenciona escrever mais sobre o assunto. Para isso, é necessário sabermos antes quem faz as Leis. Não, não é só a AR. É também o Parlamento Europeu, os Ministros no Conselho da UE, o próprio Governo, responsável pela maioria das iniciativas legislativas em Portugal e pela respectiva regulamentação. Dirás tu, Leitor: é a classe política. Mas achas mesmo, caro Leitor? Classe? Quem? O Ingenhêro? O Luís Filipe? O Paulinho? Não, Leitor. Mas Legisladores é grande demais. Por isso, propônho-te uma forma abreviada: LEGOS. São manerinhos, estão ligados à construção civil, são versáteis e, no fundo, são todos iguais.

sábado, 19 de janeiro de 2008

É só fumaça!!!

Estava o Bengalão a preparar-se para um fim de semana calmo, com um cozido à Portuguesa no Sábado e uma viagenzita no Domingo, quando, abruptamente, lhe entra pela casa adentro o Director-Geral da Saúde. Pois, que era preciso interpretar a Lei convenientemente, pois que nos casinos também é proibido fumar, pois que, apesar de a Lei só no que diz respeito aos restaurantes limitar o espaço para fumadores a uma determinada percentagem do superfície total, que era evidente que nos outros espaços públicos também não se podia exceder este limite. O Bengalão, que não tem medo de quase nada, confessa que tem pavor à evidência. Foge dela como diabo da cruz. E, sempre que alguém, ainda por cima com barbas, lhe vem falar da verdadeira interpretação da Lei, o Bengalão alça a bengala. Se é assim tão evidente que nos outros espaços também se não pode exceder o limite, por que é que o Legislador refere, expressa e unicamente, os restaurantes?


O Bengalão aproveita para declarar, antes que alguém possa pensar que está a defender os seus próprios interesses, que não fuma. Já fumou, mas não fuma. E voltar a fumar, jamé, como se diz em Alcochete.

O Bengalão não consegue, nem conseguiria se tentasse, desligar este episódio de um outro, que lhe alegrou os serões de uma gripe que o deixou de rastos no Ano Novo. A coisa passou-se assim:
O Presidente da ASAE, ou Director, ou Inspector-Chefe, ou Grande Dirigente e Educador do Consumidor Português, ou Lá o que É, foi passar o fim de ano ao Casino. Fez bem. Não há razão nenhuma para não ir. À meia noite, entrou em vigor uma Lei, de que o Excelentíssimo Senhor é Vigilante Máximo, que obrigava TODOS os locais de diversão nocturna a proibir o fumo no seu interior, assinalando a proibição da maneira prevista pela própria Lei, a não ser em partes especificamente destinadas ao vício de Nicot, em condições estritas que, manifestamente, não eram ali cumpridas. O que fez Sua Excelência? Acendeu um charuto. Mais tarde, quando lhe perguntaram por que o fizera, o Querido Lider deu estas duas explicações fantásticas:
1-Achou que a Lei não se aplicava aos casinos;
2-Estava toda a gente a fumar.
Estas explicações suscitam alguns comentários. Para que a Lei se não aplicasse aos casinos, sendo aplicável a todos os locais de diversão nocturna, era preciso que não fosse de noite, ou que um casino não fosse um local de diversão, ou, mais profundamente, que um casino não fosse um local.
A não ser que o senhor Intendente nos queira dizer o seguinte: a não ser que a Lei estipule expressamente que um tipo de local deve ser incluido na designação geral, como um casino nos "locais de diversão nocturna", é legítimo que o cidadão alegue que não sabe se a Lei se aplica. Mais ainda no caso de "estar toda a gente a fumar". Dá-nos isto a ideia do que vai ser a actuação da ASAE:
Estão alguns cidadãos, pacatamente, numa tasca que serve refeições, que não é, necessariamente, um restaurante, a acabar a sua bica e o bagacito servido, como manda a Lei, de uma garrafa com rótulo e tudo, a palitar os dentes com palitos de plástico asséptico, made in UE, a fumar uma cigarrada, quando as portas se abrem com fragor e entram, tremei, os Inspectores da ASAE. Um deles, o mais alto, de bigode farto e polegares apoiados no bordo dos bolsos, dispara: "Então, ó chefe, onde é que está o dístico a dizer que é proibido fumar?" O silêncio invade a sala. Os cigarros ficam suspensos do que vai acontecer. Autua? Não autua? (O Bengalão aproveita para dizer, no melhor da festa, que o seu sonho sempre foi poder escrever esta frase, vá lá outra vez, Autua? Não autua? Não acham que fica ainda mais bonito com minúscula?) Nisto diz o dono: "Ó Senhor Fiscal, tenha calma, que isto não é nenhum restaurante, é uma simples tasca." O Inspector franze ainda mais o sobrolho. E troa: "Mais alguém tem alguma coisa a dizer?" E vai puxando da caderneta das coimas. Até que, do fundo da tasca, alguém tosse e, com voz fininha, arrisca: "Mas está toda a gente a fumar..." A tensão sobe. O Inspector parece mais alto. Poisa a caderneta das coimas. Arruma a esferográfica. E acende pacificamente um cigarro.
E ninguém lhe dá bengaladas?
PS: O Bengalão tem lido alguma prosa de expoentes da Indigentzia lusa que ataca a ASAE, chegando ao ponto de a comparar às SS. O Bengalão quer deixar claro que esta comparação é obscena.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Aeroporto

Aleluia! Aleluia! Aleluia! O Ingenhêro já decidiu! O aeroporto da Ota vai ser em Alcochete! Quer dizer, o aeroporto de Lisboa vai ser em Alcochete. O Bengalão, que sempre defendeu a única solução sensata para a momentosa questão, ou seja, a construção do novo aeroporto de Lisboa em Santa Maria de Lamas, com as pistas forradas a cortiça para evitar o ruído, congratula-se com a decisão, porque estava farto de ouvir todos os cidadãos deste país discutir todos os dias a mesma coisa. O Bengalão acha que assim o país poderá voltar a tratar do Apito Dourado e de outras coisas igualmente importantes. Há só um pontinho, um pormenor que embaça esta tranquilidade aliviada. Então não é que a Ota, não contente por se ver livre dos aviões, resolve exigir ser ressarcida dos prejuízos? A Ota, que digo eu, toda a região do Oeste. A lógica deles é esta: Eles para ali estavam sem fazer nada, ou quase nada, salvo algumas peras rocha para exportação e muito pouco dinheiro. O Ingenhêro, ou alguém por ele, prometeu-lhes um aeroporto. Eles acharam logo que agora sim, iam poder exportar as peras mais depressa. E começaram logo a fazer contas aos patos da Mofina. (Para os Licenciados da Universidade Independente, que podem não entender a alusão, onde se lê "aos patos da Mofina", leia-se "com o ovo no cu da galinha"). O Bengalão comove-se com a ingenuidade de quem crê a este ponto nas promessas do Ingenhêro, mas tem mais a dizer. Se o princípio pega, o Bengalão também quer ser indeminizado. O Bengalão, que tem raízes na Guarda, acha que se a Ota leva algum por não ter aeroporto, a Guarda também tem de levar. O aeroporto de Lisboa também não é na Guarda! E nós nem produzimos peras. E, já agora, nós, uma das cidades mais velhas do país, burgo visigótico elevado a cidade pelas barbas do velho Sancho Afonses, queremos euros, reais, maravedis, pelas outras coisas que se fizeram alhures: O aeroporto, claro, mas também a Torre de Belém, o Palácio de Cristal, a Capela dos Ossos, O Poço de Boliqueime, o Parque Eduardo VII, a rotunda de Abraveses, o Casino do Estoril e a autoestrada do sul. Ai, Teixeira dos Santos, se a moda pega...