terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Professores

O Bengalão tem notado que a sua memória já não é o que era. É certo que ainda se lembra do tempo em que a sua memória ainda era o que era, mas pouco mais. Mas a verdade é que a memória do Bengalão já não é o que era. Não se lembra assim o Bengalão, querido Leitor, se já te disse que não era Professor. Se ainda não to disse, diz-to agora. E diz-to para explicar muito bem que não tem qualquer interesse pecuniário na actual guerra entre os Professores e a Lurdinhas. Pode-te parecer, Leitor, que o próprio facto de o Bengalão se referir à Senhora Ministra por este apodo aparentemente pouco respeitoso mostra que o Bengalão está de pé atrás. Nada mais falso. Há até, como direi, uma espécie de carinho nesta designação. Qualquer pessoa que tenha vivido na Guarda, incluindo a Lurdinhas, percebe o que o Bengalão quer dizer. E digam lá, irmãos da velha Egitânia, tem ou não tem cara de Lurdinhas? Mas deixemos a linguagem codificada e vamos a factos. A Lurdinhas parece convencida de que é possível melhorar a Educação em Portugal contra os Professores. Diz ela que os Professores não querem ser avaliados. Mas então o Bengalão tem muita sorte. Todos os Professores que o Bengalão conhece não só querem ser avaliados, como acham que um dos problemas mais graves do Sistema Educativo é a falta de avaliação de TODOS os intervenientes no processo. Um exemplo, tirado dos jornais: em dois anos seguidos, as provas de exame de química continham erros científicos primários. E os autores desses exames só fazem isso. O que lhes aconteceu? Lembram-se do tempo em que o Dr. Manuel da Silva, saudoso Professor do Bengalão que lhe mostrou os caminhos da matemática, além de ensinar o Bengalão, ainda fazia provas de exame e dirigia estágios de Professores? Agora não. Só fazem aquilo. O que lhes aconteceu, pergunta o Bengalão? Foram avaliados? Considerou a Lurdinhas que trabalhavam demais?
O Bengalão não toma posição sobre a bondade do sistema de avaliação. O Bengalão sabe fazer contas e acha que, para fazerem tudo o que é preciso fazerem, os Professores deixarão de ter tempo para ensinarem. Mas é apenas a opinião do Bengalão. Não é mais do que isso. Mas o Bengalão sabe outras coisas, usando apenas o seu bom senso. O Bengalão sabe que uma das qualidades que distinguem os grandes Professores é a capacidade de comunicação. Sabe também que a Lurdinhas terá muitas qualidades, mas não tem essa. Ainda não conseguiu mostrar a ninguém que pôr Professores a preencher mais impressos do que dantes se preenchiam para comprar casa é uma maneira eficiente de gerir a Educação. E sabe outra coisa. Sabe que, seja qual fôr o sistema de avaliação que fôr aprovado, não se fará sem os Professores. E que quem tem o mínimo de experiência de gestão de recursos humanos sabe bem que, se não houver um grande consenso sobre métodos, instrumentos, estratégias e objectivos da avaliação, ou se cai na arbitrariedade total (costuma acontecer nos primeiros anos de aplicação), ou se avaliam todos os intervenientes por cima, destruindo assim a própria avaliação. Duvidas disto, Leitor? Pois deixo-te um trabalho de casa. Procura saber a média das notas dadas pelos médicos formadores aos médicos internos. Como hás-de tu saber isso? Esforça-te, ask your member, como diria o Ingenhêro se soubesse Inglês e não fosse tão cinzento. Mas o Bengalão garante que a resposta é interessante e instrutiva.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Hilotas, periecos e penestas

O Bengalão anda preocupado. Aparentemente, tem razões para isso, porque há outros que também o andam. O relatório da SEDES é um exemplo disso. A SEDES anda muito preocupada porque os Portugueses, diz a SEDES, parecem viver num clima de tensão social difusa, que pode levar ao desequilíbrio social e mesmo a focos de revolta que não auguram nada de bom. O Vitalino veio logo dizer que a SEDES estava a exagerar, que a situação não era tão má como a SEDES a pintava, que eram, afinal dores de parto de um conjunto de reformas que fará de Portugal uma mistura de Irlanda e Finlândia, com todos os portugueses a embebedarem-se ao sábado com Guiness e marjavotka, ao som de harpas e tambores de design moderno e cristalino.
O PR veio logo dizer que também ele estava preocupado, que também ele já tinha referido alguns dos temas abordados pelas SEDES.
Há assim razões para o Bengalão estar preocupado. O Bengalão acordou no entanto com a estranha sensação de que não estava preocupado com as mesmas coisas. Que a SEDES, o PR, o Vitalino, o Luís Filipe, o Ingenhêro, o Paulinho, o Tio Belmiro, o Pensador Marcelo estão preocupados com a revolta surda como o início de um terramoto que todos ouvimos. O Bengalão preocupa-se com as razões dessa revolta.
E parece ao Bengalão que algumas coisas são visíveis. Um exemplo: O PR, o mais alto magistrado da Nação, parece muito preocupado com o futuro do Estado-Previdência. Várias vezes falou nisso. E disse, com razão, que as futuras pensões podem estar em risco. Que numa sociedade em que se vive até aos oitenta anos, não se pode trabalhar até aos cinquenta. Que, por isso, é necessário aumentar o tempo de quotização. Em tudo isto o PR tem razão. Mas, para si próprio, ele não vê qualquer problema em acumular, para além do seu vencimento de PR, TRÊS pensões, pagas directa ou indirectamente pelo Estado, para nenhuma das quais trabalhou mais do que 10, no máximo 15 anos.
O Sr. Bagão Félix tornou-se famoso por, imediatamente antes de mudar as leis da aposentação da Função Pública, fazendo perder aos funcionários alguns direitos (e possivelmente com muita razão), se ter reformado a tempo de lhe não aplicar a Lei que ele achava indispensável.
Os Senhores Deputados, que acham que nós devemos trabalhar mais para ganharmos menos, acham que eles devem trabalhar menos para ganharem mais. O Governador do Banco de Portugal, que defende a moderação salarial, não tem vergonha de se abotoar com o nosso dinheiro num salário e outra contrapartidas que são escandalosas. O Sr. Ministro das Finanças defende a triplicação do salário do gestor de uma Empresa Pública, dizendo que, se queremos bons gestores, temos de lhes pagar bem (na realidade, o Sr. Ministro teve um lapso interessante, ao dizer operários e trabalhadores em vez de gestores, mas depressa rectificou), o que mostra que, na opinião do Senhor Ministro não são precisos bons operários e trabalhadores, e por isso defende para eles salários baixíssimos, sob pena das maiores catástrofes, mas apenas bons gestores que, apesar de serem dos mais bem pagos da Europa, não conseguem desenvolver o país.
Os dirigentes das grandes empresas acham que qualquer reivindicação salarial leva o país para o abismo, mas, nas suas versões mais sofisticadas, perdoam aos filhos, roubando os accionistas, empréstimos de milhões de euros, e, nas versões mais grosseiras, gastam em Ferraris o que devia ser reinvestido.
Todas estas pessoas têm uma coisa em comum. Eles acham mesmo que são diferentes dos outros, que as regras que se aplicam às pessoas comuns não se lhes aplicam. É difícil falar com uma destas pessoas sem ela defender os valores do patriotismo, da Nação, da Portugalidade, como alguns ainda dizem. Mas basta alguém reclamar que o salário mínimo suba para um nível mais digno para que eles ameacem abandonar o país com o seu dinheiro para investirem noutro país qualquer, esquecendo-se de que nenhum deles conseguiu alguma vez o mínimo êxito, a não ser noutas repúblicas das bananas, onde se pode fugir aos impostos, sonegar informação às autoridades, corromper quem decide e, sobretudo, onde a justiça não funcione. On seja, noutros Portugais.
Esta gente pensa mesmo que é diferente. E que nós, se não somos escravos, não somos também cidadãos, somos uma espécie de hilotas, como em Esparta. Podemos até dizer que Portugal se compõe hoje de uns milhares de VIP's, que têm direito a tudo, e muitos milhões de hilotas, periecos (que são os hilotas de Loures, da Amadora, de Matosinhos e da Maia) e penestas (hilotas das Outras Bandas, dos Algarves de além Douro e além Tejo).
O Bengalão não tem solução para isto. O Bengalão não conhece melhor sistema do que a democracia representativa. Mas parece-lhe que a constituição de grupos de cidadãos à volta de alguns temas e a utilização de algumas formas de acção colectiva poderiam assustar S. Bento e outros milagreiros. Já deu resultado noutros sítios. Por exemplo: dada a maneira escandalosa como o BCP tem vindo a ser dirigido, com prejuízo claro de pequenos aforradores e depositantes, quer tal boicotar o BCP?

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Empregos

Na sua entrevista à SIC, o Ingenhêro declarou que já tinha criado mais de metade dos empregos que prometera criar nesta legislatura. Entendamo-nos. O Ingenhêro não se refere a um saldo positivo de empregos, quer dizer, à diferença entre o número de empregos perdidos e o número de empregos criados. Refere-se só a estes. Quer dizer, considera-se responsável pelos novos empregos, mas acha também que os empregos perdidos foram vítimas da conjuntura internacional.
A este propósito, oferece-se ao Bengalão contar uma fábula. Conheces, caro Leitor, aquela máxima chinesa (palavra de honra que o Bengalão esteve para escrever "aquele anexim chim", mas não teve coragem) que diz que quando alguém aponta para a Lua, o sábio olha para a Lua, mas o néscio olha para o dedo? Pois também aqui é de dedos e de Lua que se trata.
Havia, nas negregadas alturas da Serra da Estrela, um homem como os outros, não muito inteligente, mas ambicioso, não muito bonito, mas fotogénico, não especialmente dotado de ideias, mas capaz de as embrulhar em palavras que outros homens gostavam de ouvir. Por razões que demoraria muito tempo a explicar, vieram-no buscar um dia para o levarem para o Palácio da Capital onde se reuniam outros homens como ele, sem muitas ideias, mas ambiciosos que, acometidos de uma estranhíssima doença, estavam convencidos de que eram eles que governavam o país. Faziam muitas reuniões findas as quais aprovavam uns documentos que lhes tinham posto nas pastas, todos impantes e muito convencidos de que tinham sido eles que os escreveram. Apontavam para os papeis e diziam uns para os outros: "Vê esta Lei? Fui eu que fiz!" A esta doença chama-se doença do dedinho, porque, nas suas formas mais graves, os coitados que dela sofrem chegam junto de homens, uns deles sábios, outros néscios, apontam para a Lua e, sem sequer darem tempo aos sábios de olharem para a Lua e aos néscios de olharem para o dedo, dizem, para espanto dos povos: "Vêem a Lua, além? Fui eu que a fiz."
Por aqui fica a fábula, que para bom entendedor nem meia palavra é precisa. O Ingenhêro está doente, coitado. Aponta para um projecto e sai-lhe logo: "Fui eu que o fiz!" Anda um desgraçado em A-dos-Cunhados um ano para obter apoio bancário para a sua nova empresa de janelas de alumínio, lá consegue aos trancos e barrancos, cria 5 postos de trabalho e logo, detrás de um pinheiro daqueles que há sempre junto das fábricas de janelas de alumínio, surge, de dedo em riste, o Ingenhêro, dizendo: "Vêem aquele posto de trabalho? Fui eu que o criei!"
O Bengalão não comenta o resto da entrevista. Não está com paciência para comentar propaganda.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Elogio de Sócrates

O Bengalão, além de ser Homem de Palavra, é um homem de palavras. E segue, sempre muito atento, as palavras do Ingenhêro, não para tentar perceber o que ele diz, que é, as mais das vezes, irrelevante, mas sempre à escuta do que ele não diz. O Leitor já terá reparado que a modéstia é uma das qualidades que doura o Bengalão. É por isso que o Bengalão não ousa repetir o que um dos seus comentadores disse há alguns posts, quando afirmou que o Bengalão era fino como um alho. É verdade que só a modéstia impede o Bengalão de o repetir. E o Leitor está mesmo a ver daí o Bengalão, naquela posição de mãos postas sobre o peito e olhos semicerrados, como o Papa, quando diz, na sua modéstia beata, "Eu não valho nada. Eu sou apenas o representante de Deus na terra". Não repetirá assim o Bengalão que é fino como um alho. Está então o Bengalão à escuta do que o Ingenhêro não diz. É um exercício muito instrutivo, que o Bengalão aconselha vivamente ao Leitor. Queres um exemplo, Leitor?
Pois bem. Há alguns dias, publicou um jornal uma notícia segundo a qual o Ingenhêro teria, há alguns anos, quando era funcionário da Câmara da Covilhã, assinado alguns projectos a apresentar na Câmara da Guarda, dos quais não seria o autor. O autor seria um funcionário da Câmara da Guarda, impedido como tal de lá apresentar projectos, suprindo essa proibição com o recurso à assinatura do Ingenhêro. A notícia é omissa sobre se o mesmo se passava no sentido inverso, quer dizer, se o Engenheiro da Guarda assinaria projectos da autoria do Ingenhêro da Covilhã, para este os apresentar nesta Câmara.
O Bengalão não faz a mínima ideia se isto é verdade. O Bengalão sabe que este tipo de práticas era corrente, principalmente em Concelhos do Interior, onde não abundavam os técnicos liberais e os projectos se faziam com muita fé em Deus e a ajuda de um desenhador. Mas não sabe se o Ingenhêro fez aquilo de que é acusado. Não toma por isso posição. Quantas mentiras não viu já o Bengalão escritas em jornais? Esta pode ser apenas mais uma, porque não?
O que é interessante para o Bengalão são as respostas que o Ingenhêro dá quando alguém o interroga sobre o assunto. Um jornalista, ou um deputado, pergunta-lhe: É verdade, Ingenhêro? Assinou projectos dos quais não era autor, o que é, objectivamente, um crime de falsificação e uma irresponsabilidade total, que provariam à saciedade que não tem as qualidades éticas para exercer o alto cargo que ocupa? (É claro que a pergunta é mais curta, para não dar a possibilidade ao Ingenhêro de se refugiar no matagal das ofensas imerecidas, mas o que quer dizer é isto.) A resposta do Ingenhero é um modelo de precisão de linguagem. Com esta formulação ou com outra, o que o Ingenhêro diz sempre é o seguinte: "Nunca assinei nenhum projecto pelo qual não fosse responsável".
Ora a verdade é que um técnico nunca é responsável por um projecto que não assinou e é sempre responsável por projecto por si assinado. Neste quadro, assinar é um sinónimo de ser responsável. O que o Ingenhêro diz, portanto quando lhe perguntam se assinou projectos que não elaborou, é o seguinte: Nunca assinei projectos que não tenha assinado. É por isso que o Bengalão se interessa muito mais por aquilo que o Ingenhêro não diz. E ele não diz que a acusação é falsa. Mas é verdade que utiliza as palavras com uma precisão que o Bengalão não pode deixar de admirar.

Financial Times

O Bengalão, caro Leitor, por vezes, em momentos em que se abandona e deixa que a sua atenção seja brevemente afastada da realidade nua e crua, também lê o Financial Times. Que queres, Leitor? Até os Poetas têm direito ao sonho. O Bengalão lê, assim, o Financial Times. Aqui há tempos, publicou o FT um artigo de um economista que o Bengalão lê sempre com a máxima atenção, John Kay, especialista em sistemas de pensões, que tem a enorme vantagem de apresentar, para além das suas opiniões e dos seus preconceitos ideológicos, dados numéricos brutos, a partir dos quais é possível seguir o seu raciocínio. Basta um sumário do artigo para as orelhas do Bengalão se porem de sobreaviso. Diz Kay o seguinte: Toda a gente anda a dizer, a gritar, a mostrar, que a Segurança Social está em risco de não poder honrar os seus compromissos a médio prazo. Tantas vezes é repetida esta mensagem que, hoje, já ninguém duvida dela. Ora bem. A Comissão do Orçamento do Congresso dos EUA fez contas. As conclusões são claras. Mantendo-se as actuais tendências, daqui a 50 anos, as receitas da Segurança Social serão de 14,02% do rendimento nacional e os compromissos de 14,29%. A diferença é de 0.27%. Daqui a 50 anos. O que nos mostra uma coisa. Pelo menos nos EUA, a propalada crise é uma mentira. Quem a repete? Economistas, que julgam que são cientistas e que põem a sua capacidade de jogar com números ao serviço daqueles a quem esta mentira serve. Os fundos privados de pensões. Portanto, caro Leitor, de cada vez que ouvires dizer o mesmo (e o Bengalão reconhece que, na Europa, a situação demográfica é diferente da americana e que, portanto, os resultados seriam diferentes, mas nunca tão alarmantes como nos dizem), não perguntes pelo curriculum académico de quem faz a afirmação. Pergunta antes para quem trabalha. E, se ele trabalha para a banca ou os seguros, desconfia, Leitor, desconfia. É claro que qualquer semelhança entre esta referência e Bagão Félix é inexistente: Bagão Félix não tem curriculum académico que se veja.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Referendo

Foi hoje a votos, na Assembleia da República, a seguinte questão especiosa: deve o Tratado de Lisboa ser ratificado por referendo ou, pelo contrário, pelos legítimos representantes do povo?
O Bengalão tem, naturalmente, uma opinião sobre o assunto. Não a revela, no entanto. Não vê o Bengalão que importância pode ter o que pensa sobre esta ou outras questões políticas. Diga-se apenas que o Parlamento tem toda a legitimidade para discutir e votar o modo de ratificação. O referendo é tão legítimo, mas não mais legítimo do que a ratificação parlamentar. Tudo o resto é uma questão de opinião e de juditiis non curat praetor, que é como quem diz, o Bengalão não se mete nas opiniões de cada um.
Depois de um debate morno e previsível, naquele tom gordo a que nos habituou o nosso Parlamento, foi a proposta de referendo posta à votação, com o resultado que consta do Diário das Sessões. Alguns Deputados, por razões que uns explicaram e outros não, decidiram votar de maneira diferente da do seu Grupo Parlamentar. O que é um direito que ninguém lhes negará.
Houve um certo número de Deputados, no entanto, que deixaram o Bengalão de castão à banda. Foram uns Senhores que votaram como entenderam e, no fim, declararam esta coisa espantosa:
Nós votámos assim, mas pensamos o contrário. Se votámos como votámos, foi por uma questão de disciplina partidária. O Bengalão traduz: Suas Excelências declaram que, na sua opinião, os interesses superiores do país, a lógica mais primária, a fidelidade mais branda a promessas feitas exige que a decisão seja A, mas que Suas Excelências votam B pela subida razão de terem sido mandados votar B. Ora, quando o Bengalão elege os seus representantes na Assembleia, faz com eles um contrato. O Bengalão dá-lhes um ordenado interessante, mordomias várias, o direito a que os tratem por Vossa Excelência, mesmo os mais burros e a garantia de que, durante 4 anos, o Bengalão, patrão magnânimo, lhes não dará ordens. Eles comprometem-se a puxar, o mais que podem, pelo bestunto, a não abusar demasiado das viagens de favor e a não obedecer a ninguém. O contrato é injusto? Uns dizem que sim, outros que não. Mas é um contrato.
Ora aqueles Deputados, nossos servidores, quase nossos criados, ao declararem que tinham votado conmtra a sua opinião, por estarem às ordens de uns Senhores que o Bengalão não conhece, mostraram que não cumprem a sua parte do contrato e, portanto, não são dignos de nos engraxarem as botas. Se eles ficassem mais um minuto sequer no Parlamento e pudessem, por exemplo, votar o Tratado de Lisboa, o Bengalão não saberia se eles estavam a votar no que pensam ou no que lhes mandam pensar. Mas o Bengalão está certo de que Suas Excelências, depois da declaração que fizeram, enviaram ao Senhor Presidente da Assembleia da República o único documento que pode restaurar a sua dignidade ferida: o seu pedido de demissão.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Mined

Estava o Bengalão a pensar que alguns dos seus amigos, aqueles que conhecem a sua paixão pela Educação e pela Escola Pública, hão-de estranhar nunca ter o Bengalão referido nem uma nem outra. Então o Bengalão, que de tudo fala, não diz uma palavra sobre a Escola?
O Bengalão deve confessar que o seu silêncio se deve, sobretudo, ao imenso respeito que nutre pela Senhora Minstra da Educação. Calma, Leitor. O Bengalão julgava que já te tinha convencido da virtude da paciência. O Bengalão, sensível como todos os humanos à lisonja, que neste caso é a atenção do seu Leitor, usa de manhas, de subterfúgios, para lhe prender os olhos ao ecran. E, tendo visto a sua dosezinha de filmes de Hollywood, tendo presente o seu Camilo, recordando-se ainda da sua Eneida, vai tentando, o melhor que pode e sabe, ferrar o seu peixe, que, neste caso, és tu, Leitor, e trazê-lo à borda da água, ou seja, ao fim do texto. Para isso, há que engodar com generosidade, iscar com finura, ter o pulso lesto e a mãozinha leve. E queres, Leitor, melhor engodo do que este, o imenso respeito do Bengalão pela Senhora Ministra da Educação? Portanto, caríssimo Leitor, calma e paciência, que, se são ínvios os caminhos do Senhor, os caminhos do Bengalão são, no mínimo, tortuosos.
A razão deste silêncio, não foi sempre, no entanto, absolutamente clara, nem mesmo para o próprio Bengalão. Quantas vezes, à noite, ao procurar a reparação da "morte pequenina", o Bengalão não se interrogou, por vezes com alguma aspereza: Então tu calas-te? Então tu não dizes nada? Então tu falas de tudo, ele é o Ângelo, ele é o Paulinho, ele é o Ingenhêro e, dela, nada? O Bengalão chegou mesmo a pensar consultar a Astróloga Maya, que é um dos serviços públicos mais mimosos que nos presta a televisão que todos pagamos. Não, Leitor, o Bengalão não se refere só à televisão pública, mas também à outra. Também somos nós que a pagamos. E nem é precisa a taxa.
Estava então o Bengalão a dizer que pensou até em consultar a Astróloga Maya. Mas a lista de espera era imensa, como é normal num serviço público deste país onde floresce a abóbora e o Marcelo pensa e a consulta era empurrada lá para Julho do ano que vem, o que era claramente tarde. Arriscava-se o Bengalão a estar a falar de uma Senhora que já não era Ministra de um Governo que já o não era. E o Bengalão não gosta de malhar em ferro frio.
O Bengalão decidiu então reflectir. E procurar, no fundo de si próprio, as razões de tão gritante silêncio. Para perceberes as conclusões a que chegou o Bengalão, tens de o acompanhar, Leitor, nesta viagem.
O Bengalão sempre teve uma ternura muito particular pela greve de zelo. A ideia da greve é forte, é corajosa, é decididamente masculina. Mas a greve de zelo, toda rendada, toda irónica, toda feminina, é incomparavelmente superior. (Já reparaste, Leitor, no ilogismo desta expressão que, no entanto, usamos, com variantes múltiplas, todos os dias? Só podemos saber que uma coisa é superior a outra se as compararmos. Ora, se as compararmos, elas podem ser tudo menos incomparáveis. Não há, assim, nada que possa ser incomparavelmente superior a seja o que fôr). Mas, sendo as coisas o que são, como dizia o Bonifácio (Ai, o Bonifácio dava um livro...), a greve de zelo sempre pareceu ao Bengalão incomparavelmente superior à greve tout court. Para avivar a tua memória, querido Leitor, uma greve de zelo consiste em cumprir, na íntegra e sem contemplações, todas, mas todas as regras, leis, normas e ordens que emanam da autoridade que enquadra o trabalhador. Para acreditar na potencialidade da greve de zelo, é precisa uma fé cega e total na capacidade da autoridade (de toda a autoridade) para criar regras inúteis e perniciosas. Está-lhe na massa do sangue. É a vida, como diria um Alto Comissário que todos conhecemos bem. O Bengalão tem essa fé. E deve confessar que fez algumas greves de zelo. Algumas sozinho. E, se o resultado nem sempre foi brilhante, pelo menos o Bengalão divertiu-se.
O Bengalão imagina o que vai pela cabeça do seu Leitor fiel. O que terá a greve de zelo, ou a vida do Bengalão, a ver com a Senhora Ministra da Educação? Mais um pouco, Leitor, e verás, uma vez mais, a lógica implacável do Bengalão.
O Governo do Ingenhêro não prima pela originalidade. É difícil, se virmos as ideias que sairam daquelas cabeças brilhantes, descortinarmos alguma que seja nova. O Bengalão avisa desde já que isto não é uma crítica. O Bengalão admite que, por vezes, a novidade não só não é sinónimo de qualidade, como pode trazer consequências graves e perniciosas. O Bengalão limita-se a constatar um facto. Para ser mais plástico, em jeito de exemplo, o Bengalão diria que este Governo ficará na História, como todos os Governos. Mas, daqui a uns séculos, quando os historiadores procurarem, de entre o número imenso dos Governos que, nessa altura, terão governado o país, para determinarem quais, pelas suas medidas originais, se distinguiram dos demais, dificilmente citarão o Governo do Ingenhêro. Não, Leitor, quando o bisneto do bisneto do Professor Hermano Saraiva, de braços no ar como quem dança a chula e com os olhos revirados para cima, entrar em casa dos bisnetos dos nossos bisnetos, pela televisão, para anunciar, de dez em dez minutos, o que vai tratar no seu próximo programa, não será do Ingenhêro que falará.
Assim sendo, uma Ministra que mostre um fumo de originalidade, nem que seja por ir de mini-saia e meias pretas para o Conselho de Ministros, merece o nosso respeito. Note-se que o Bengalão não tem notícia de que alguma Ministra, ou algum Ministro, aliás, tenha alguma vez ido a Conselho de mini-saia e meias pretas. Era apenas uma imagem, se bem que com possibilidades a explorar.
A Senhora Ministra da Educação, desde que começou a governar, tem-se distinguido pela quantidade de papeis que obriga os Professores a preencher. A Senhora Ministra da Educação põe em perigo a floresta da Amazónia, tantas são as árvores que será preciso abater para produzir as grelhas, os formulários, os planos, os planitos, as fichas, as cadernetas, os livros de actas, os livros de ponto, os testes formativos, os testes de avaliação, as nótulas, os relatórios, os recursos, as justificações que os Professores terão de conceber, produzir,apresentar à consideração superior de quem Sua Excelência mande. A Senhora Ministra da Educação tem obrigado os Professores a receber os pais a todo o momento, a fazerem reuniões de Conselhos, Assembleias, Comissões, Comités, Clubes e outras invenções da burrocracia. A Senhora Ministra tem obrigado os Professores a estarem nas Escolas sem fazerem nada (porque lhes não dá condições para fazerem seja o que fôr). De modo que pouco tempo resta aos Professores para fazerem aquilo para que lhes pagamos: ensinarem.
E nesta altura, pergunta o Leitor: Sim, e depois? O que tem isto a ver com tudo o resto? Com a originalidade, com a greve de zelo? Pois não vês, Leitor? Diz Zoroastro (não é todos os dias que se escrevem dois ZZ seguidos) que o mundo foi criado dual: para cada roca, seu fuso. No mundo laboral, este equilíbrio reflexo também se aplica: à greve opõe-se o lock out, grande pavor social no tempo em que havia empregos, como os mais velhos se lembrarão. A Senhora Ministra, num golpe de génio, inventou o que ninguém tinha ousado inventar: o lock out de zelo. É simples e elegante: atulham-se os Professores de papeis e trabalho administrativo, burocrático e de cosmética estatística. Assim se impede que eles ensinem.
Senhora Ministra da Educação, permita-me, em memória do Colégio da Cerdeira (isto do Colégio da Cerdeira é aquilo a que o Ingenhêro, se soubesse Inglês, chamaria uma private joke), que a trate por Lurdinhas. Lurdinhas, os meus respeitos.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Drama em três Actos (e a unidade de tempo que se lixe)

Acto I (há uns meses)
Há eleições "directas" para escolher o lider do PSD. O Bengalão mete as suas primeiras colheradas: por que é que havemos de dizer lider? Ou leader? Por que não Chefe? ou Caudilho? Ou Comandante? E por que se diz eleições directas? Há eleições indirectas? Se eu escolho quem escolha por mim, estou a escolher DIRECTAMENTE quem por mim DIRECTAMENTE escolha! (um quiasmozito de vez em quando sempre dá muito jeito.) Ou não é verdade?
Há então eleições para Luís Filipe. Na televisão, a defender o Luís Filipe mais provável, e que veio realmente a ganhar, aparece um sujeito de que há uns anos o Bengalão se fartou de rir, que encontrou uns pregos num automóvel estacionado perto de uma manifestação e veio para a televisão dizer que tinham sido encontradas armas em poder dos manifestantes.
Entreacto
O tal sujeito, que foi Ministro da Defesa, retirou-se do Governo e passou a representante, em Portugal, de uma grande empresa americana cuja principal actividade é a venda de armas e de que Portugal é fiel cliente.
Acto II (há umas semanas)
Grandes investimentos em Portugal!!! Portugal, que já tem a maior central fotovoltaica do mundo, vai ter a maior central fotovoltaica urbana do mundo!!! Portugal é grande!!! Portugal tem o Cristiano Ronaldo e a Central fotovoltaica do MARL!!! Arraial, arraial!!!
Quem disse isto, por outras palavras, foi o representante em Portugal de uma empresa americana de centrais fotovoltaicas, um sujeito que, porque encontrou uns pregos e vendeu umas fisgas, passa por grande especialista de questões geoestratégicas.
Acto III (há uns dias)
Mudanças no Governo. O Bengalão abre a TV e ouve o tal sujeito das armas fotovoltaicas, ou lá o que é, explicar muito bem por que é que a remodelação tinha sido uma derrota para o Governo do Ingenhêro.
Moral da história
Para que se não pense que o Bengalão não gosta de chamar os bois pelos nomes, o sujeito chama-se Ângelo Correia. E nenhum dos actos acima expostos é ilegal ou duvidoso, sequer. O Senhor Ângelo Correia tem todo o direito de ser Ministro, dirigente partidário, jornalista, vendedor de fisgas e caixeiro viajante.
O que o Bengalão tem o direito de perguntar, nem que seja na sua intimidade (Ai, a intimidade do Bengalão...), à puridade da sua reflexão, é o seguinte: Quando o Senhor Ângelo Correia, dirigente partidário, defende Luís Filipe, quem é que está a falar? Não será o Senhor Ângelo Correia, vendedor de fisgas? Quando o Senhor Ângelo Correia, especialista em geoestratégia, fala na televisão, quem é que está a falar? Não será o Senhor Ângelo Correia, caixeiro viajante? Quando o Senhor Ângelo Correia, jornalista, diz de sua justiça, quem é que está a falar? Não será o Senhor Ângelo Correia, dirigente partidário?
Na última mudança no Governo, a Televisão Pública foi perguntar aos partidos o que pensavam. A pergunta não tinha o mínimo interesse jornalístico. Todos nós sabíamos o que os partidos pensavam. No sentido mais puro da palavra, não era uma notícia, não era uma novidade. Mas, depois, a Televisão Pública foi perguntar aos seus dois comentadores residentes. Sem surpresas, o Senhor António Vitorino disse o que o PS tinha dito e o Senhor Marcelo Rebelo de Sousa o que tinha dito o PSD. Dir-se-á que isto mostra o pluralismo da RTP. Não mostra nada disso. Mostra que, ao fim de décadas, a televisão pública não foi capaz de saír do grau zero do jornalismo: produzir um comentador independente e respeitado. Refugia-se assim no politicamente correcto: pataca a mim , pataca a ti. E continua a mostrar-nos, todos os dias, as mesmas caras, hoje como jornalistas, amanhã como políticos, depois como empresários, no dia seguinte como académicos.
Há uns dias, leu o Bengalão num dos seus blogues favoritos, as minhas leituras, que a crise no BCP não era nova: já vinha nos Maias. Pois o Bengalão também acha que esta omnipresença do mesmo indivíduo com várias caras (eles dizem com várias qualidades, como se o não ter uma só cara não fosse um defeito: pois, eu até respondia a essa questão - para eles, os jornalistas não fazem perguntas, põem questões - mas, como estou aqui na qualidade de ... (sócio do Casa Pia, membro da Cruz Vermelha, cliente da Zara, etc...) não lhe posso responder), já lá vem no Eça: O bengalão cita:
O ministério foi assim constituido:
Presidente do Conselho: Marquês de Ávila e Bolama
Ministro dos Estrangeiros: Marquês de Ávila e Bolama
Ministro do Reino: Marquês de Ávila e Bolama
Ministro da Fazenda: Marquês de Ávila e Bolama, sob o célebre pseudónimo por tantos usado de - Carlos Bento da Silva
Ministro das Obras Públicas: Marquês de Ávila e Bolama, sob o suposto nome de - Visconde de Chanceleiros
Ministro da Justiça: Marquês de Ávila e Bolama, sob o anónimo - Sá Vargas
Ministro da Guerra: Marquês de Ávila e Bolama, sob a denominação inexplicável de - José de Morais Rego.
Acrescente-se a isto o jornalista Marquês de Ávila e Bolama, o comentador político Marquês de Ávila e Bolama, o empresário Marquês de Ávila e Bolama e estaremos muito perto dos dias de hoje.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Musharraf

Não. O Bengalão não vai falar hoje das assinaturas de projectos que um jornal acusa o Ingenhêro de ter assinado sem ser o seu autor. O Bengalão não quer saber. Tanto se lhe dá que seja verdade ou não. O único interesse que poderia haver na notícia, se se verificasse a sua veracidade, seria o de aferir a estatura ética do Ingenhêro. Ora o Bengalão não tem dúvidas da estatura moral do Ingenhêro. Assim sendo, não vê qualquer interesse na notícia.
Não. O Bengalão, hoje, quer falar de Musharraf. Há já algum tempo, o Bengalão ouviu o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros dizer que a União Europeia devia continuar a apoiar os esforços do General Musharraf para a democratização do Paquistão. O Bengalão não tem dúvidas de que o Senhor Ministro não estava a ser irónico. A ironia pressupõe alguma inteligência e, pelo menos, um soprozinho de ideias próprias. Ora, das muitas vezes que ouviu e leu as palavras do Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros, o Bengalão nunca vislumbrou nem uma nem outras. De política externa, o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros parece saber que, pois, a Índia é a maior democracia do mundo, pois que a União Europeia tem uma coisa a que se chama valores, pois que Portugal tem uma vertente atlântica que é muito importante. E também sabe que nunca houve voos da CIA a passar em Portugal.
Ora bem. Este prócere da democracia (o Musharraf, não o outro), há uns tempos quis ser candidato à Presidência da República. Acontece muitas vezes a ditadores, depois dos golpes de Estado que os levaram ao poder. E as eleições sempre podem permitir ao Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros dizer que o Paquistão é, se não uma das maiores democracias do mundo, pelo menos quase. Mas acontece que o Supremo Tribunal do Paquistão veio dizer que a Constituição do País proibia a recandidatura do General, Chefe do Estado Maior-General das Forças Armadas, Primeiro-Ministro de facto (o itálico permite que se saiba que o Bengalão sabe latim) e Presidente da República.
Que tudo seja claro. O Bengalão não pretende conhecer a fundo as minúcias e meandros da Constituição de um país como o Paquistão, cuja cultura oriental e milenar, aliada à influência islâmica, lhe dá o hábito de escrever textos jurídicos ao lado dos quais o Tratado de Lisboa é um monumento de clareza e concisão. Não sabe assim o Bengalão se o Tribunal tinha razão, ou se se tratava de uma cabala (e não deixa de ter piada pensarmos no Supremo Tribunal do Paquistão metido numa cabala) para afastar o Senhor General, que o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros considera o ventre que há-de parir a democracia, para espanto dos povos e lucro das empresas da nossa aldeia global, da reeleição.
O que fez, perante esta crise, o Senhor General, o Pai da Democracia? Demitiu os Juízes que eram contra a sua recandidatura e substituiu-os por outros, mais complacentes. O Supremo Tribunal reconsiderou, o Senhor General será candidato e tudo vai acabar bem. Quereis solução mais eficiente, mais simples, mais elegante, mais digna de um verdadeiro MBA de Chicago?
O Bengalão imagina que o Leitor, que no fundo é humano, que vem aqui à procura de novidades frescas, de produto nacional, não esteja muito contente com este caril requentado, quando estava à espera de um bom cozido à Portuguesa. Tem paciência, Leitor, lá chegaremos, o Bengalão é como os navegadores portugueses, que tiveram de dar a volta ao mundo para fazerem uma Pátria. Também o Bengalão, por muito longe que as palavras o levem, tem sempre o leme apontado a Portugal. E já vais ver, Leitor, que Mushrraf não está sozinho.
O Bengalão é um defensor do CAV (caro Leitor, o Bengalão não vê qualquer necessidade de usar a sigla francesa e acha que CAV - Comboio de Alta Velocidade - é bem melhor que TGV. O comboio é mais agradável, menos poluidor e agora pouco mais lento que o avião. O Bengalão acha, assim, que o CAV pode ser uma excelente solução para Portugal e para as suas relações, nomeadamente com a Espanha. Ora aí está uma coisa em que o Bengalão está de acordo com o Ingenhêro.
O Bengalão sabe que a construção das infraestruturas do CAV põe muitos problemas ambientais e que, no fim, nem tudo será perfeito. Que haverá pessoas que serão prejudicadas. O Bengalão espera que elas sejam devidamente indeminizadas, mas haverá, há sempre, pessoas prejudicadas. Mas a política é exactamente a arte do equilíbrio da decisão. E não há grandes decisões que não prejudiquem alguém. O Bengalão sabe isto. O Ingenhêro também sabe. Por isso, o Ingenhêro, ou alguém por ele, fez o que devia: encomendou um estudo de impacto ambiental.
O Leitor deve estar a pensar que deve ser do Carnaval. O Bengalão a dizer bem do Ingenhêro? O mundo está do avesso?
Mas quantas vezes tem o Bengalão de recomendar ao Leitor a virtude da paciência? Calma, Leitor, não queiras ir mais depressa que o CAV.
O que aconteceu, então, ao estudo de impacto ambiental? Aqui o Bengalão hesita na escolha das palavras justas. Custa-lhe dizer o que aconteceu. Parece que os técnicos que deviam fazer o estudo tiveram muitas dúvidas sobre o traçado proposto, que atravessa mesmo uma povoação. (Já reparaste, Leitor, que, quando uma coisa destas, uma linha de alta tensão, uma linha de comboio, uma estação de tratamento de águas ou de lixos tem de ser instalada perto, ou mesmo dentro de uma povoação, nunca é na Quinta da Marinha?). Os técnicos tinham, assim, muitas dúvidas sobre o traçado. Que fazer? como dizia o Lenine e o mau teatro, como resolver o impasse? A solução, elegante, simples, eficiente, digna dos MBA de Chicago a quem o Ingenhêro paga, com o nosso dinheiro, fortunas em consultadoria, foi encontrada. Foram demitidos os técnicos, substituidos por outros. E pronto, não se fala mais nisso. O CAV pode avançar, a toda a velocidade, sem que ninguém possa acusar o Ingenhêro de não ter feito o necessário estudo.
O Bengalão aconselha o Ingenhêro a fazer uma nova remodelação governamental. Livre-se do Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros. Porque, se não, arrisca-se o Ingenhêro a ouvir o Senhor Ministro, com aquele ar sério que ele sabe pôr, bem penteadinho, dizer a quem o quiser ouvir que a União Europeia deve continuar a apoiar os esforços do Ingenhêro para a democratização de Portugal.