segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Subsídios

Como te disse da última vez, caríssimo Leitor, O Bengalão entende que é justa uma compensação na reforma para os cidadãos que serviram a República. Assim, um cidadão que tivesse descontado 10 anos para o sistema de pensões no momento em que assumisse funções políticas e as exercesse durante 10 anos, teria, no fim do exercício, não 20 anos de desconto, mas 25. Para quem é licenciado pela Universidade Independente, O Bengalão explica: 10 anos de serviço mais dez anos de serviço são vinte anos de serviço. Como estes últimos seriam majorados em 50%, ou seja, 5 anos, o total é 25. A República pagaria assim generosamente ao seu dedicado servidor e atribuía-lhe a Comenda da Ordem de S. Bento.
Já quanto ao subsídio de reintegração, O Bengalão tem algumas dúvidas. O Bengalão entende, Leitor, e acha mesmo muito bem que o Senhor A, carpinteiro da construção civil, eleito para os fofos e poeirentos cadeirões da Catedral da Democracia, seja ajudado, no fim do seu mandato, a reorientar a sua vida, até porque isto de pôr anúncios no Correio da Manhã sai carote. Por outro lado, alguns patrões, as camadas mais reaccionárias da classe patronal, como diria o Geronimo, podem não considerar que um curriculum que inclua uma passagem pelo Palácio das Araras seja um sinal de probidade ou de especial apego ao trabalho. Merece assim o Senhor Comendador que o Estado o ajude na sua reintegração.
Mas, quando se trata de um funcionário público, que era, por exemplo, agente de higiene pública e que, no dia seguinte ao fim do seu mandato, regressa ao seu lugar, sem ter de pôr anúncios ou de se inscrever no Centro de desemprego, O Bengalão não vê nem a necessidade nem a justificação do subsídio. Como as não vê nos casos em que um cidadão abandona um cargo público para pedir o merecidíssimo descanso que vem com a pensão de reforma.
Quer O Bengalão dizer na sua que o subsídio de reintegração não é um pagamento em espécie de serviços prestados à Pátria (nem a probidade e o patriotismo dos Senhores Deputados, Ministros, Autarcas e outros efémeros depositários da nossa soberania aceitariam tal aleivosia). O subsídio de reintegração é, como o rendimento mínimo e o complemento para idosos, uma subvenção social e como tal deve ser tratado. Como sabem os que estudam estas coisas, cada caso é um caso. (Estás a ver, Leitor, como O Bengalão também é capaz de escrever um politiquês?). É por isso que O Bengalão apresenta a seguinte proposta:
Qualquer titular de cargo público que, findas as suas funções, reclamasse, por ter chegado à idade da reforma ou por uma junta médica o ter declarado incapaz de trabalhar, fosse reformado e não tivesse, portanto, qualquer subsídio de reintegração.
Qualquer titular de cargo público que, findas as suas funções, regressasse à função pública, fosse, para efeitos de remuneração, promovido uma vez por cada 5 anos de ausência, sem poder, como é natural, ultrapassar o topo da carreira, e não tivesse, portanto, subsídio de reintegração.
Para ajudar os casos sociais, propõe O Bengalão a constituição do IAPD (Instituto de Assistência ao Político Desvalido), devidamente dotado de psicólogos e assistentes sociais, que promovesse a reintegração de Suas Excelências na vida activa. Essa ajuda podia, nos casos em que isso se justificasse, ser de carácter financeiro.
Por outro lado, tem-se verificado que, muitas vezes, cidadãos sem qualquer competência reconhecida, banais, cinzentos, sem experiência de vida, se transformam, ao fim de meia dúzia de anos de exercício de funções públicas, em indivíduos dotados de qualidades extremas que os tornam escolhas inquestionáveis para altas funções de gestão. Longe d’O Bengalão pôr em causa a justeza de algumas escolhas, recentes e menos recentes. O que isto prova, caro Leitor, é que o exercício de funções públicas é uma excelente escola de formação profissional, capaz de transformar, em pouco tempo, um empregado de balcão num administrador de um banco. Ora a formação profissional paga-se. O Bengalão acha que, no início do exercício de um cargo público, deve o cidadão fazer prova dos rendimentos que declarou nos últimos cinco anos. No fim do mandato, feita a correspondente correcção monetária, sabe-se quanto ganharia se não tivesse estado em formação. E, nos cinco anos seguintes, entregaria ao Estado metade da diferença, a título de pagamento pela formação recebida. Com este dinheiro se financiaria o Fundo de Maneio do IAPD, a que o Estado poderia, aliás, recorrer em caso de crise ou necessidades orçamentais imprevistas, como despudoradamente faz há décadas com a Segurança Social.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Subsídios, reformas e outras alcavalas

O Bengalão, que já muitas vezes ouviu muitos bufarinheiros da política, que são capazes de dizer a maior enormidade, desde que lhes possa garantir um votito, não estranhou que alguns, do Bloco ao CDS, passando pelo PSD (!), critiquem a inclusão nas listas da Contabilista de pessoas que, tendo já recebido um subsídio de reintegração quando deixaram de ser deputados, sejam agora de novo candidatos, não se sabe bem se a deputados se ao subsídio.

Entendamo-nos, Leitor. O Bengalão não tem nada a opôr a que os titulartes de orgãos públicos sejam bem pagos. O Bengalão gosta de pagar bem a quem o serve, não por ser uma pessoa muito generosa, uma espécie de S. Martinho redivivo, mas porque gosta de ser servido por pessoas competentes. E sabe que um dos maiores crimes que há décadas se está a cometer em Portugal é precisamente o facto de a maioria dos empresários portugueses, tacanhos, ignorantes, boçais, incompetentes, não pagarem bem aos jovens talentos que para eles trabalham, fazendo com que eles emigrem em cada vez maior número, conseguindo assim ganhar a sua vida e empobrecendo-nos a todos. O Bengalão quer que os seus serviçais de S- Bento e do Terreiro do Paço ganhem bem.

Também lhe não repugna nada que o tempo que estejam na AR conte para uma reforma especial. Se quem serviu a Pátria numa guerra tem (e muito bem) um bonus na contagem do tempo da reforma, também o deve ter quem a serviu de outra maneira, porventura menos perigosa, concerteza um tudo nada mais cómoda, toda de sofás de couro e balão de Glenfiddish na mão (todos os deputados portugueses estão convencidos (brassic devils, com diria o Ingenhêro se tivesse aprendido o seu Inglês em Glasgow e não algures, entre o seu Ministério e o Campo Grande) de que o Glenfiddish é o melhor cratur que existe no Mundo e de que, benza-os Latis que, como sabem todos os que têm uma quarta classe bem feita, é a Deusa céltica responsável pela água, se deve beber (horribile visu) num balão, em vez de num copo de provador semelhante aos do vinho do Porto.

O Bengalão adverte desde já que não tem pela Pátria nem a devoção interesseira do Senhor Portas nem a basbaquice babada e bacoca do Senhor Bragança (confessa, Leitor, que, não sendo esta uma das mais belas frases d'O Bengalão, não é muito fácil produzir aliterações em B). Mas prefere que alguns estejam dispostos a correr grandes riscos por todos nós, se a tal forem chamados. Tem, assim, pelas mulheres e pelos homens das Forças Armadas uma admiração muito grande). Voltemos, no entanto, o que aqui nos trouxe. O Bengalão acha que o tempo passado em cargos públicos, na Presidência da República, nos Governos, nas Assembleias, nas Autarquias, devia ser majorado, contando, por exemplo, com um bónus generoso de 25% e ser acrescentado ao tempo que cnta para a reforma normal do cidadão.

Entendamo-nos com um exemplo:

O Bengalão tem os seus descontos em dia, há-de ter uma reforma, se as Parcas não o entenderem de outra maneira (As Parcas, Ingenhêro, não são as Finanças Públicas, como te disse o teu Ministro das ditas, que é um brincalhão. Se a tua Alma Mater não fosse a Independente, ou , com mais propriedade, a tua Alma Matrasta, sabias o que são. Olha, telefona ao Manuel Alegre. Agora que já sabe que não é para o convidares para deputado, atende-te o telefone, em vez de deixar aquela mensagem cava e rotunda (não, Ingenhêro, não estou a falar nem do que bebeste em Barcelona nem de Viseu): Não posso atender. Fui de férias. Para a Argélia. Se ele estiver bem disposto, diz-te, O Bengalão, então, espera obter, graças ao seu esforço contributivo, que é aquilo que em Português se chama descontos, e à solidariedade dos seus Concidadãos, uma pensão. Se O Bengalão tivesse sido, perish the thought, deputado durante oito anos, O Bengalão acha justo que esses oito fossem majorados em 25% e contassem, assim, por dez, a integrar no esquema de pensões que O Bengalão tinha antes de ir para lá. O que O Bengalão não entende é este regabofe em que os oito anos contam como uma pensão completa e complementar (o meu saudoso Dr. Pechincha não deixaria de me chamar a atenção para a cacofonia). Até porque o deputado, eleito pela primeira vez, passa a ter um comportameno cuja finalidade única é ser reeleito, para abichar, e, portanto, pauta tudo o que diz, o que cala, o que faz e o que não faz a por uma só cartilha: a fidelidade sabuja e abjecta ao Querido Lider. Ora não é para isto que O Bengalão lhe paga.

No próximo episódio, O Bengalão falar-te-á do subsídio de reintegração, com uma proposta concreta, para que ninguém diga, Unrechtigkeit der Unrechtigkeiten, em Alemão macarrónico em honra do melhor penteado do Parlamento Europeu, Vital Moreira, que alguma qualidade há-de ter, porque é beirão.

domingo, 9 de agosto de 2009

Raul Solnado

Morreu Raul Solnado. O Ingenhêro declarou: [Raul Solnado foi] "...um artista ímpar, um cidadão exemplar e um dos grandes vultos da cultura portuguesa."

Pobre Raul. Não merecias isto. Depois de uma vida como a tua, não merecias que um burocrata qualquer escrevesse, à atenção do Sua Excelência o Primeiro Ministro, um chorrilho de banalidades que te insulta.

Quando puderes, manda-me notícias do país dos poetas. Ainda havemos de nos rir muito.

domingo, 15 de março de 2009

Irlanda

O Bengalão tem estado à espera. Desde que começou a crise que O Bengalão tem estado à espera. Como um predador à espera da presa. Mas, Leitor, em tempo de crise, todos temos o dever de nos concentrarmos no essencial. Mesmo O Bengalão, apesar da da sua proverbial verborreia. Está o Leitor a pensar que nenhum predador passa 2 meses e tal à espera de que passe presa ao alcance do dente, parado, totalmente entregue à vontade de um deus qualquer (e agora, espantem-se gentes, O Bengalão vai citar, entre todos os possíveis citáveis, João Paulo II), "totus tuus", quer dizer, ou me dás de comer ou morro, vê, Senhor, aonde vai a minha fé.

Ora O Bengalão não tem culpa de que o Leitor, entre os milhares de Universidades que iluminam, com a sua sapiência, as plagas lusitanas, tenha escolhido para alma mater (alma mater quer dizer, mais ou menos em Inglês, "Instituição que, à custa de muito esforço, do pagamento de algum dinheiro pouco claro, e de algumas cunhas bem colocadas, conseguiu ensinar-me a fazer contas (menos as de dividir) e a ler os títulos do Correio da Manhã") exactamente a Universidade Independente, cujos alunos são os únicos a não conhecer a Bitis Gabonica. Ora, como sabe quem fez a quarta classe bem feita, a Bitis Gabonica é conhecida, em vernáculo, por víbora do Gabão e é a maior víbora do planeta, depois de alguns senhores venenosos que representam, em África, os interesses da BP, da Total, da Galp, da Shell, e de comerciantes de outros produtos particularmente apreciados, incluindo os escravos e o café. Estes representantes são habitualmente conhecidos pela alcunha "Presidente da República".

Perguntarás, Leitor, o que tem a simpática víbora a ver com O Bengalão? O Bengalão tem mordido no Ingenhêro e ele lá continua, vivo e são. Fosse O Bengalão a Bitis e era um ar que lhe dava, funeral nacional, doutoramento póstumo honoris causa e salva de nove tiros no Panteão de Alcochete, para alguma coisa havia de servir o Freeport. O que tem a víbora com isto, então? Tu, Leitor, que já perdeste poupanças e reforma, não percas também a paciência. Como a crise vai mostrar, a paciência é uma virtude cada vez mais necessária. Dantes, antes do Velho tropeçar na Cadeira, havia muitos pobres que batiam às portas a pedir. Dava-se esmola a uns, a outros não, dizendo-se a estes: "Hoje não pode ser...Tenha paciência..." E O Bengalão não se espantaria nada se, nestes tempos de governação socialista e modernaça, em que a caridade, que horror, seria uma forma intolerável de distribuição da riqueza, fosse criada, na dependência directa do Primeiro-Ministro, a Secretaria de Estado da Paciência, sob a responsabilidade de António Guterres, do Padre Melícias, ou de Teresa Costa Macedo, encarregada de dizer, em não mais de meia hora, "Tenha paciência" com elegância e comiseração.

Ora, voltando à víbora, além do seu tamanho descomunal, da sua rapidez fulminante e do seu veneno digno de um Marcello, outra coisa faz a Bitis de mor espanto, como diria o Vate (Não, Ingenhêro, vate não é um verbo e não é normalmente seguido de um palavrão, pergunta à Estrelinha que te guia, ela sabe). A víbora do Gabão, espantem-se, gentes, depois de comer como uma abadessa e de se meter numa cova funda, é capaz de fazer uma sesta que pode durar mais de dois anos. Dois anos, Leitor. Dois anos a aboborar, Senhores Abades. Dois anos a dormir, Senhores Deputados. E não se limita à sesta a habilidade da cobra. Longe disso. A dormir, a Bitis reduz ao mínimo o seu metabolismo, a sua temperatura matem-se baixa, a frequência cardíaca é tão baixa que mal se nota. Mas basta que lá fora, a 10 metros da víbora, passe um rato ou outra criatura a que goste de chamar um figo, para ela acordar, saír, quase por desfastio, da sua letargia e, ala que se faz tarde e o almoço está na mesa, saltar sobre a presa e engoli-la. Para entenderes bem, Leitor, é como o Santana. Venenoso e lépido, salta sobre qualquer pedacinho de poder que lhe passe perto do dente. Foi Presidente da Câmara de Lisboa e fez os Lisboetas deixarem de se preocupar com os buraquitos dos passeios e das ruas, tal o tamanho do buracão financeiro em que meteu a cidade. Foi Primeiro-Ministro, acorda, Sebastião José, vem ver o que fizeram do teu cargo, e ainda hoje retinem, por essa Europa fora, as gargalhadas e o espanto. Com o bucho cheio do seu petisco preferido, o poder, assim mesmo, sangrento e cru, meteu-se no buraco, a aboborar. Também lhe deram uns empregozitos em Empresas Públicas, quer dizer, Leitor, deste-lhe tu mais umas avencitas e uns salariozecos, para ele palitar os dentes. Estava ele, letárgico e gordo, no seu buraco de S. Bento, passou-lhe perto uma liderança parlamentar. E zás, levanta-te, Santana, papou-a. E pejo não teve em regurgitá-la, para fazer lugar a quê, Leitor? À Câmara de Lisboa. É o ciclo vital o Santana. Que deve, aliás, ser urgentemente incluido entre os programas do Magalhães, depois de devidamente revisto pela Estrelhinha que guia o Ingenhêro, para ensinamento e elevação das gerações futuras.

Estarás talvez, Caríssimo Leitor, a perguntar-te: Mas que tem isto a ver com a Irlanda? Na Irlanda nem há cobras...

Pois a ligação é evidente. Disse-te O Bengalão, no início deste texto, que tem estado à espera, como a víbora, com a paciência de um predador. Não te disse O Bengalão de que tem estado à espera. Pois O Bengalão tem estado à espera da Irlanda.

Não, Leitor. Não invadiram O Bengalão súbitas saudades da Calçada dos Gigantes, ou das harpas dos pubs de Cork, ou de uns certos olhos verdes que viu uma vez, de passagem, em Dublin, ou do mar, do mar da Irlanda, do mar que parece ter sido inventado para dar sentido ao verde da terra, ou da compota de laranjas feita num certo convento da costa Oeste, ou das ostras fumadas do porto de Dublin, ou de tudo o resto que faz d'O Bengalão um apaixonado da Ilha de Esmeralda. Não, Leitor. O Bengalão, que é um sentimental, está sempre cheio de saudades. Saudades de terras e de pessoas. Às vezes, chega a ter saudades das pessoas com quem está. Chega mesmo, aprecia, Leitor, porque é raro que O Bengalão fale de si, a ter saudades de pessoas que não conhece e de terras a que nunca foi.

Dá-se o caso de, há uns meses, antes da falência do Lehmann Brothers, a Irlanda ser citada a torto e a direito. O Ingenhêro falava da Irlanda como se bebesse Guiness desde pequenino. A Contabilista era tu cá tu lá com a Irlanda, do género, o Governo faria melhor se, em vez de...(seja o que for), resolvesse os problemas dos Portugueses. Pusesse o Governo os olhos na Irlanda e tudo correria melhor. O Senhor Presidente da República, ele próprio, não deixava de citar a Irlanda quando falava de sociedade do conhecimento e dos serviços. Os jornalistas, comentadores, professores de Economia, falavam da Irlanda três vezes em cada frase. Em quase todos os debates na TV, todas as frases começavam "Na Irlanda, por exemplo..."

Ora O Bengalão que, ao contrário de muitos dos que falavam sobre a Irlanda, conhece a Irlanda, desde o início, como diria Boyle Roche, smelled a rat. O Bengalão sabia que era verdade que a Irlanda, ao contrário de Portugal, tinha aproveitado o dinheiro da Europa para fazer sistematicamente formação profissional. Na Irlanda, o Fundo Social Europeu não foi o regabofe a que assistimos aqui. Na Irlanda, não terá havido casos como o daquela Câmara Municipal de Trás-os-Montes que organizou um curso de formação profissional de pescadores, no tempo de um primeiro-ministro de cujo nome O Bengalão agora não se lembra, era Aníbal qualquer coisa, a memória d'O Bengalão já não é o que era. O Bengalão sabe que, na Irlanda, não se gastou dinheiro da Europa a fazer IP's que duraram menos de dez anos, porque foi necessário depois fazer-lhes autoestradas por cima. O Bengalão sabe tudo isto muito bem. Mas também sabe que, em grande parte, o desenvolvimento da Irlanda se deveu à vontade de Clinton, que quis ficar na história como tendo resolvido a questão da Irlanda do Norte e, portanto, incentivou os americanos de origem irlandesa a investirem muito dinheiro na ilha; e que, em grande parte, o desenvolvimento da Irlanda se deveu à necessidade que os produtores americanos de computadores, principalmente a Dell, sentiram, pela legislação proteccionista que existia na Europa nessa altura, de um país europeu de língua inglesa para produzirem os seus computadores "europeus".

O Bengalão sabe isto. Assim sendo, O Bengalão nunca fez da Irlanda um exemplo. Deve ter sido o único. Por isso O Bengalão esteve à espera. À espera de que agora, que a economia irlandesa foi pelo Liffey abaixo (o Liffey é o rio de Dublin, Ingenhêro), todos estes senhores, os ministros, os deputados, o Ingenhêro, a Contabilista, o Paulinho, os economistas, os jornalistas, os comentadores falassem agora da Irlanda. E nos explicassem o que correu mal. Mas não. Estão, como se diz na Irlanda, mute as a salmon.

Mas o seu silêncio é gritante. Pelo menos sabemos agora onde estaríamos se tivéssemos seguido os seus conselhos, ou se eles tivessem querido ou sabido levar-nos para onde diziam que devíamos ir. Pelo menos um deles sabe umas coisas de economia. Camilo Lourenço, um dos grandes comentadores portugueses de Economia, que, ainda há uns meses, tinha mais vezes a Irlanda na boca do que os Irlandeses têm a Guiness, acaba de publicar um livro com o sugestivo título: Como esticar o salário e encurtar o mês. O livro tem sido um enorme sucesso editorial. O que mostra que o Camilo Lourenço pode não nos explicar como e por que andou tantos anos enganado, mas saber de economia, sabe. Olá se sabe.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Natal

O Bengalão, que anda sempre ao contrário da corrente, foi passar a noite de Natal à mais improvável de todas as terras: foi consoar a Lisboa. E, como é seu hábito quando vai à Capital, fez a sua "peregrinationem ad loca dilecta". Foi às livrarias do Chiado, aos discos da FNAC, visitou as montras das pastelarias, comeu castanhas, desceu a Rua Augusta e foi ao Terreiro do Paço a ver se as naus já tinham regressado.

No Terreiro do Paço, esperava-o um espectáculo indecoroso: as tradicionais iluminações de Natal tinham sido substituidas por cerca de duas dezenas de bolas gigantes, iluminadas a azul, que serviam de propaganda à TMN.

Entendamo-nos, Leitor. O Bengalão não tem pelo Natal um respeito religioso. O Bengalão prefere a luta pela liberdade de expressão à luta contra a blasfémia, que não sabe bem o que seja. O Bengalão conhece Jesus, mas o Jesus d'O Bengalão não terá nascido a 24 de Dezembro, nem foi aquecido por uma vaca e um burro, porque o bom S. Francisco, no tempo em que vive o Jesus d'O Bengalão, ainda não inventou a piedosa mentira do presépio, nem é filho de uma virgem, porque ainda não foi cometido o Concílio de Niceia, nem tem o título de Christos, porque Paulo, o duríssimo Paulo, ainda não partiu para Damasco. O Jesus d'O Bengalão é muito mais parecido com o Doce Rabi de Eça de Queiroz e os seus Suaves Milagres são muito mais suaves do que milagres. O Jesus d'O Bengalão, se entrasse na Rua Augusta, mais depressa sorriria à mulher das castanhas do que ao azul frenético das luzes.

Não é, assim, qualquer sentimento de indignação religiosa que anima O Bengalão. Mesmo que a TMN declarasse, alto e bom som, que o anúncio de Gabriel a Maria, tinha sido enviado, ave maria xeia d graça, por SMS, usando os serviços da TMN, O Bengalão dormiria tranquilo, e acha mesmo que Jesus, o doce Jesus, o mesmo que nasceu na manjedoura, havia de se iluminar num sorriso tímido.

Esta decoração causa a'O Bengalão uma dúvida e uma perplexidade. Pensa O Bengalão que a Câmara Municipal de Lisboa está a talvez a exagerar, depois da Praça das Flores e da Avenida da Liberdade, nas vezes em que aceita reservar para uso privado aquilo que é essencialmente público: a rua. E não se diga que a Câmara foi devidamente compensada, e através dela, os munícipes. Seguindo esse princípio, qualquer dia a estátua do Marquês será coberta de anúncios a um detergente, a de Camões dos de um oculista e entrar-se-á no cemitério do Alto de S. João por entre alas de cartazes com reclames de floristas.

A perplexidade tem a ver com a reacção, ou melhor, a não reacção, da Igreja Católica, Apostólica e Romana. Os Senhores Bispos, sempre tão lépidos a recordar a'O Bengalão os ditames da sua moral gorda, e a censurar qualquer filme, qualquer livro, qualquer imagem em que se entreveja um seio ou se fale com menos reverência daquilo em que acreditam, agora calam-se. E O Bengalão não consegue deixar de se interrogar sobre se Suas Excelências Reverendíssimas não terão contrato com a TMN.