quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Regresso

Há já muito tempo que O Bengalão não didtribui os seus golpes secos e certeiros. Se pensas, Leitor, que isso se deve a falta de tema ou a preguiça, desengana-te. O Bengalão confessa, com uma candura próxima da desfaçatez, que cultiva com engenho a sublime arte de nada fazer, mãe da Filosofia e da Ciência, ou seja, em palavras que um Licenciado pela Universidade Independente possa entender, O Bengalão é um preguiçosão. (A rima interna é de mau gosto, é certo, mas é propositada. Pode ser que, neste País em que governa o Ingenhêro, floresce a abóbora e o Marcello pensa, a Universidade Independente ressuscite, crie uma Cátedra de Estética para o José Carlos Malato e O Bengalão não gostaria de que lhe faltassem fnos exemplos). O Bengalão é, assim, um preguiçoso. Mas sabe que o verdadeiro preguiçoso trabalha, sob pena de, assoberbado pela reprovação social, não gozar nem metade dos refrigérios em que a preguiça é pródiga. O verdadeiro cultor da sublime arte de nada fazer sabe que não trabalhar dá muito trabalho. Por isso faz tudo o que for necessário para não ter que trabalhar. Por exemplo, escreve blogs. Não foi então por preguiça que O Bengalão pousou a caneta.

Nos últimos tempos, não faltaram lombos a merecer umas bengaladas bem dadas. O problema é que, entre a indignação que pode erguer a bengala (e a caneta) deste escriba, e o humor que O Bengalão acredita (vanitas, vanitatum) que consegue destilar, há um delicado equilíbrio sem o qual não surdem as bengaladas. Sem a necessária indignação, seria gratuito o humor. Sendo a indignação demasiada, o humor parece deslocado. E O Bengalão, como se diz na Beira a propósito de coisas mais terreais e muito mais importantes, não alcança. A mão aproxima-se do papel e nada. Como diria o Ingenhêro se soubesse italiano ou sequer tivesse lido "Os Lusíadas", ao menos o Canto IX, Ingenhêro, ao menos o Canto IX, tra la spica e la man' qual muro è messo.

Vários amigos têm dito a'O Bengalão que é uma vergonha, que devia escrever, que o Mundo não é o mesmo sem a Luz d'O Bengalão (aprende, Leitor, como a Lisonja é viscosa). A tudo O Bengalão foi insensível. Até que uma pessoa a quem O Bengalão não sabe recusar nada, lhe perguntou, mais com os doces olhos do que com a voz dulcíssima, 'então e agora como é que eu sei o que acontece no mundo?' E cá está de novo O Bengalão, quem sabe se para corresponder, com amor e amizade sinceros, a quem lho merece, ou para dar abasto a uma vaidade sabiamente acordada.

Acordado O Bengalão, leu, num canto do Público, a seguinte notícia: Em Viseu, o Ministério da Educação ou alguém por ele mandou fazer um inquérito aos Professores. O inquérito tinha uma pergunta com três respostas possíveis, aquilo a que erradamente se chama escolha múltipla, porque a escolha é só uma, múltiplas são as opções, e destinava-se a determinar por que método os Professores queriam ser avaliados. As opções eram as seguintes:

a) pelo método decidido pelo Ministério da Educação
b) por outro método
c) por método nenhum

Como era de prever, e só não o previu o imbecil que elaborou o inquérito, 100% dos Professores escolheram a opção b). O que fez a misteriosa autoridade? Retirou o inquérito, como as crianças espalham as cartas quando estão a perder ao jogar a bisca com o avô, vamos a outro, sim, avô, que este não valeu?, puxou pelo bestunto, e apresentou-o de novo aos Professores, expurgado da opção b). Simples, não é? O próprio Mugabe não faria melhor.

Esta anecdote, como diria o Ingenhêro se falasse Francês, ilustra um dos males de que sofre a Educação em Portugal. A Lurdinhas propala aos quatro ventos que a sua reforma serve para, valorizando o mérito, melhorar a Escola Pública. Mas o que faz não é valorizar o mérito. Depois da reforma, nenhum Professor, mesmo com quatro ou cinco Óscares (Meu Deus, ao que isto chegou), chegará mais longe na carreira do que chegaria sem ela. O que acontecerá é que muitos Professores não chegarão lá. Ou seja, não se trata de valorizar o mérito, como diz a propaganda oficial, mas de penalizar o demérito. Segue-se que o sistema de avaliação procura determinar defeitos e não salientar virtudes. Padece assim de um erro grave que, nas boas Escolas de formação de Professores, se ensina a evitar logo no primeiro ano: é uma avaliação não formativa. O Bengalão sabe que muitos Professores, como muitos Médicos, como muitos Juízes, como muitos Canalizadores, não querem ser avaliados. Uma parte da culpa disso é de quem, confortavelmente instalado nas suas certezas científicas, deixou que proliferassem como fungos Escolas Superiores de Educação que nem são Escolas, muito menos Superiores e que julgam ensinar Educação porque todos os caloiros aprendem, a custo, a dizer bom dia ao Senhor Arnaldo, que corajosamente guarda o portão da entrada.

Se a Lurdinhas quisesse, como diz, compensar o mérito, em vez de destruir a carreira dos Professores, criava uma nova categoria salarial para os Professores que os seus pares considerassem merecedores de um prémio de excelência, limitando obviamente o número daqueles que a ele poderiam aceder. Se a Lurdinhas quisesse, como diz, compensar o mérito, encerrava uma boa parte das "escolas" que formam "professores" (arrostando, corajosa, com a ira dos autarcas respectivos). Se a Lurdinhas quisesse, como diz, compensar o mérito, pagava decentemente aos Professores, e pagava um suplemento aos membros dos Conselhos Pedagógico e Directivo. Se a Lurdinhas quisesse como diz, compensar o mérito, escolhia, entre os Professores que mais se tivessem distinguido no exercício de funções de direcção nas suas Escolas, os Directores Regionais de Educação, em vez de nomear para esses cargos o autor das Inquirições Viseenses, ou a Comissária Política que dirige a DREN.

Há muitos anos, no Uganda, junto à nascente do Nilo, um grupo de europeus olhava com espanto aquela massa enorme de água, que, de tão forte, parece que conseguirá chegar ao Egipto, sob o olhar paciente e digno de três homens impávidos. Daí a aproximarmo-nos todos deles foi um passo. Ninguém sabia o que dizer até que o que estava do lado direito disse, apontando para o do meio: "O Chefe, se quisesse, atravessava o lago (É o Lago Vitória, Ingenhêro, onde voa a águia e o Benfica mete água) a pé". Como é inevitável, um de nós, jovem e ingénuo, perguntou: "Então por que não atravessa?" O nosso interlocutor murmurou umas palavras ao ouvido do Chefe, que lhe respondeu no mesmo tom. E disse-nos: "O Chefe, se quisesse, atravessava o lago a pé. Mas o Chefe não quer."

Se tivesse a dignidade deste Chefe, a Lurdinhas seria como ele. A Lurdinhas, se quisesse, podia valorizar o mérito. Mas a Lurdinhas não quer.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

casamento de homossexuais

Quase não se fala de outra coisa: querem uns que se permita o casamento entre homossexuais, defendem outros que isso seria uma violação intolerável dos princípios éticos da esmagadora maioria da população portuguesa. O Bengalão, que é um cínico, sabe bem por que é que a oposição quer discutir o assunto agora: aproximam-se as eleições e o Paulinho quer ir pelas feiras a dizer a quem o quer ouvir, ele até quer deixar casar as … (O Bengalão recusa-se a repetir a palavra que o Paulinho usará). A Contabilista, Morgada honorária, quer poder dizer, perante clarissas e carmelitas em delírio, com a lógica que aprendeu nas matemáticas gerais, que o casamento serve para a procriação e, assim sendo, para que querem eles, elas, casar?
À esquerda, o que querem é poder dizer, vejam o Ingenhêro, esquerda aquilo, então não vê ele o que se passa na Espanha, em que os socialistas ainda o são, estes não, são de direita e devem ser combatidos. (É preciso dizer que o Geronimo, neste debate, se escondeu atrás dos Verdes, como o Herman José na rábula do National Geografic, escondido, mas com o rabo de fora, se, num debate destes, a expressão é permitida. O Ingenhêro, a única coisa que quer é que nada nem ninguém se lembre sequer de discutir a questão, como o Jô Soares, num programa de há uns anos, dizia, à saciedade: “Não me comprometa!” E vai de dizer que a questão não será discutida porque o PS não tem um mandato do eleitorado. Aplausos para o Ingenhêro! Desfraldem as flâmulas! Puxem o brilho às trombetas! Mandem já vir o … O PS não discutirá nada sem ter um mandato do eleitorado e, nos Passos Perdidos, corre, cada vez mais insistente, o boato de que o Ingenhêro, depois de se ter confessado ao Padre Melícias, vai promover a repetição do debate sobre o Tratado de Lisboa, para cuja ratificação não tinha mandato, este pelo contrário.
Mas O Bengalão, caro Leitor, não foge à discussão. Vamos a ela, portanto. O primeiro ponto interessante é que ninguém põe em causa o casamento de homossexuais. O Bengalão conhece vários homossexuais que são, ou foram, casados e O próprio Bengalão, que casou, não se recorda de ter ouvido o senhor conservador perguntar-lhe se era homossexual. É certo que nesse dia (e em muitos mais dias) O Bengalão estava demasiado ocupado a olhar para a pessoa que estava ao seu lado para recordar, como se fosse o Magalhães, tudo aquilo que o representante do Estado disse. Mas não deu fé. Por outro lado, numa sociedade em que cada vez mais crianças nascem sem que os pais partilhem a vida no quadro de uma família, há cada vez mais mulheres que criam, cuidam, educam os filhos sem a participação dos pais. Algumas destas mulheres são homossexuais. Algumas delas vivem com pessoas do mesmo sexo, de uma maneira que ambas querem permanente. Ninguém defende, que O Bengalão saiba, que o Estado retire essas crianças da guarda dessas mulheres. Ora O Bengalão acha que o Estado, se pensasse que as crianças corriam algum risco, não deixaria de o fazer. Segue-se que o Estado não considera que venha ao mundo algum mal, ou que seja prejudicial para as crianças, que uma família possa ser constituída por duas mulheres, homossexuais, que exerçam o poder parental sobre uma ou mais crianças.
O Bengalão interrompe para um esclarecimento que pode ser útil. O Bengalão não é homossexual. É casado, há 35 curtíssimos anos, com uma pessoa de sexo deliciosamente diferente do seu. Mesmo tendo ouvido dizer, e, em tese, não tendo argumentos para rejeitar a asserção, que toda a gente, incluindo O Bengalão, tem, mesmo que dormentes, tendências homossexuais, O Bengalão confessa que nunca sentiu o irreprimível desejo de cobrir de beijos o Nelson Évora nem, perante a profundidade de uns certos olhos castanhos, lhe apeteceu pousar a mão marota numa coxa cabeluda. Ce n’est pas trop tard, como diria o Ingenhêro se tivesse tido uma educação esmerada, mas, mesmo assim, enquanto o pai vai e vem, folgam as costas.
Finda a interrupção, e definido O Bengalão como parte não interessada do problema, pensemos: o que é o casamento? Um sacramento? O acto básico da sociedade humana? Um passo essencial para a procriação digna? Uma convenção? Um contrato? A resposta parece simples a’O Bengalão. O casamento é isto tudo. E muito mais. Às vezes, o casamento é isto tudo ao mesmo tempo, às vezes apenas uma destas coisas. Mas pretender, num país em que, arriscar-se-ia O Bengalão a afirmar, mais de 50% das quecas são dadas fora do matrimónio, em que uma parte significativa dos filhos vive só com o pai, ou só com a mãe, ou com qualquer dos dois mais um número indeterminado de tias, tios e ofícios correlativos, só o casamento como Diós manda, como diria o Dr. Mário Soares se soubesse falar Castelhano é que deve ser reconhecido pelo Estado é tapar o Sol com a peneira. O Estado não tem nada com a qualidade que eu atribuo ao meu casamento. Se eu acho que é um sacramento, é um sacramento. Se eu acho que não devo ter filhos fora dele, não os tenho. Se eu acho que devo casar por amor, pois que case. Se quiser casar porque me convém, benvindo à equipa dos casados. O Estado é que não tem nada com isso. Cumpre ao Estado, apenas, defender aqueles que são frágeis (não permitindo o casamento de menores, por exemplo), ou não permitir o tratamento indigno de uma das partes (proibindo, por agora, a poligamia, por exemplo). Mas não me diga ao Estado o que devo fazer com a minha vida privada. O Estado quer promover, por razões que são as suas, o casamento? Pois que o faça, garantindo privilégios a quem deu esse passo. Mas é o cidadão, e não o Estado, quem deve decidir com quem partilha a sua vida, a sua cama (ou o chão da cozinha, ou a mesa da sala de jantar) e as suas fazendas. Se o cidadão decidir comunicar ao Estado: “Excelentíssimo Senhor Estado: Comunico a V. Excia que, a partir de tantos de tal, às tantas horas, partilharei a minha vida com…, livre, maior de idade na posse das suas faculdades. Segue-se a assinatura dos dois, das duas, dela e dele, ou seja lá o que for”. Que tem O Bengalão com isso? E pronto, ei-los casados. O Estado que o registe. Se os nubentes quiserem fazer juras eternas, cerimónias religiosas ou cantar loas ao Grande Arquitecto do Universo (Não, Ingenhêro, não é o Tomás Taveira), é lá com eles.
O Bengalão, homem civilizado que tem muitos e variados amigos, não vê diferença entre o casal que formam os seus amigos A. e B., ambos homens e casados segundo a Lei do país em que vivem, ou C. e D., ambos homens, que juntaram os trapinhos sem dizerem água vai, ou E. e F., mulher e homem, profundamente crentes, casados numa cerimónia para eles sagrada.
E, francamente, o facto de, quando G., amigo d’O Bengalão, homossexual e já entradote, morrer, o seu companheiro de sempre, que dele dependeu economicamente para viver por razões que aqui não vêm ao caso, ficar na miséria, sem sequer ter metade da casa em que viveram, nem o usufruto dos móveis, nem uma pensão de viuvez não pode deixar de ser visto como uma pulhice.

sábado, 20 de setembro de 2008

Tsvangirai

O Bengalão esteve em África. E O Bengalão tem sempre uma enorme dificuldade em explicar o que sente quando vai a África. Tendo um visceral horror ao kitsch, talvez porque tem medo do que lhe aconteceria se não tivesse quem lhe disciplinasse as escolhas, O Bengalão sente-se sempre, quando fala de África, como se estivesse a realizar um filme cujo guião fosse uma mistura de Out of Africa e Motorbike diaries. Por vezes os seus interlocutores pensam que os olhos perdidos no longe com que O Bengalão fala de África denotam saudades de ocasos em que o mar se afoga em cor de laranja, mas não. Os olhos do Bengalão estão longe por vergonha. Vergonha de reduzir a África a uma mistela de lugares comuns, postais ilustrados e frases feitas de militantes dos povos que acham muito mal a miséria sem nunca terem visto um pobre.

O Bengalão nunca viveu em África. Sempre que lá foi, com uma pequena excepção em que foi turista por duas semanas, foi trabalhar. Mas, mesmo a trabalhar, não é possível esquecer as cores da África, e os cheiros da África, e os sorrisos dos meninos da África, e as ancas navegadoras da África, e os músculos poderosos da África, e os sons da África, e as gargalhadas da África. Não é possível esquecer o que a África poderia ser.

Também não é possível esquecer o que a África é. As incalculáveis fortunas que roubaram os ditadores da África e os seus cúmplices no resto do mundo. Os milhões de mortos causados por esses crimes. A cara deles, dos tiranos e dos seus capangas, a beberem champagne e whisky nos salões de hoteis de luxo, como se fossem pessoas civilizadas, como se não fossem, uns e outros, responsáveis por um autêntico crime de genocídio que está, há muitas décadas, a assassinar a África.

Os cancros da África têm nomes. Chamam-se corrupção, má governação, analfabetismo, amoralidade. Os responsáveis são vários. Africanos uns, que roubam, que esbulham, que tiranizam. Ocidentais outros, que corrompem, que recebem, que protegem. E todos nós, que fechamos os olhos. E que aceitamos que uma senhora, que nunca teve nada de seu, seja agora, de repente, chefe e grande accionista da maior empresa de Angola, que, por sua vez, é grande accionista de uma série de empresas estratégicas portuguesas.

Por vezes, na sombria história dos crimes dos ditadores, há um que, pelos seus excessos, pela sua crueza, pelo seu despudor, chama sobre si a atenção dos Europoeus bem intencionados. Desde há uns anos, esse protagonismo tem vindo a ser do Padrinho do Zimbabwe. (O Bengalão recusa-se a usar uma palavra respeitável como Presidente para qualificar a personagem). Entendamo-nos, Letor, Mugabe não é, certamente, o pior dos ditadores que a África conheceu, nem sequer dos que a África conhece hoje. O Ngwenyama da Suazilândia comprou recentemente 7 Cadillacs para transportar para a festa do seu casamento todas as suas outras esposas, gastando, na festa, mais do que num ano o país gasta na luta contra o HIV. Mas não tirou terras a Ingleses, é um facto. Mugabe tirou e, por isso, conhecêmo-lo melhor. Este cinismo não deve esconder de nós o facto principal: Mugabe é um criminoso, que ocupa ilegitimamente o poder num país cuja maioria o não quer e que usa, para proveito próprio, os escassos recursos do Zimbabwe.

No Zimbabwe, recentemente, acendeu-se uma luz de esperança. A Oposição uniu-se sob a direcção de um lider, Tsvangirai, para disputar a eleições. Todos os observadores acharam que Tsvangirai tinha possibilidades de ganhar. O que se seguiu foi terrível. Militantes presos e assassinados, Tsvangirai preso, torturado e expatriado. Mesmo assim, as urnas deram a vitória à oposição. Mugabe fez o que têm feito os ditadores desde que há eleições: falsificou os resultados. E Tsvangirai, temendo pela própria vida, declarou não reconhecer a vitória de Mugabe e refugiou-se no estrangeiro.

O Bengalão recorda-te, Leitor, o que costuma acontecer em África em situações destas. Os dois adversários contam as espingardas, isto é, o número de apoiantes, internos e externos, de que dispõem, fazem contas à vida, e chegam a um acordo de partilha de poder e riquezas. Assim se fez em Angola, por exemplo. Assim se fazia em Chicago, no tempo de Al Capone. E tudo sob o olhar gordo e benevolente da chamada comunidade internacional. Ora isto é o contrário da democracia. Por muito que o não queiram os donos das certezas, a democracia é o confronto, não é o consenso. O que a democracia faz é desviar o confronto do terreno das armas para o terreno das ideias. A procura sistemática do consenso por um lado, é uma estupidez e, por outro, mantem o confronto no terreno das armas. Disto sofre a África há décadas.

O Bengalão teve esperança de que, desta vez, Tsvangirai escolhesse o caminho difícil da oposição longa e amarga do exílio, que, a prazo, poderia ser um contributo para a democratização do país. Não o fez. Em vez disso, fez um acordo de partilha do poder e sabe-se lá mais de quê com o torcionário que o manteve preso, com o assassino dos seus camaradas de luta. Não é difícil prever que, daqui a uns anos, Tsvangirai pode preparar-se para suceder a Mugabe, que é mais velho.

Nada disto é novo. Tem acontecido sistematicamente em África. Sabes então, Leitor, por que fala O Bengalão em mais uma partilha de território e negócio? Pois porque o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal se apressou a saudar o acordo, como se de um avanço importante se tratasse. Princípios, direitos, democracia, que importa isto à impante suficiência de um funcionariozito, promovido, para premiar a sua fidelidade, à laureada condição de Ministro?


quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Jogos Olímpicos

O Bengalão também está, como toda a gente, imbuído do espírito olímpico. Deu, por isso, aos Jogos, toda a atenção que eles mereciam.

Os Jogos começaram há muito tempo, na altura em que o Comité Olímpico Internacional decidiu entregar a Organização a Pequim, ou Beijing, como parece que se escreve agora (foi precisa uma Olimpíada para O Bengalão dar fé de que Portugal tinha assinado um acordo ortográfico com a China). Nessa altura, muitas organizações de defesa de direitos humanos declararam-se chocadas por os Jogos se irem desenrolar num país em que os direitos humanos estão muito longe de ser respeitados. Algumas personalidades apelaram mesmo ao boicote, se não dos Jogos, pelo menos da cerimónia de abertura. Ergueram-se logo algumas vozes para dizerem que o boicote não se justificava, que os Jogos eram uma maneira de levar os chineses a aproximarem-se dos padrões da "Comunidade Internacional", que andaram os atletas tantos anos a prepararem-se para agora não competirem-se, imagine-se o desperdício. Com o tom lapidar que usa quando quer brincar aos Estadistas, Durão Barroso declarou que nenhum boicote se justificava, porque "não podemos excluir 1/4 da população mundial". Durão já nos tinha dado provas da sua tocante ingenuidade, quando, a propósito da guerra contra o Iraque e da existência de armas de destruição massiva, teve a oportunidade de dizer, com os olhos arregalados como as crianças quando mentem: "As provas existem. Eu vi-as." A sua declaração sobre os Jogos demonstra o mesmo grau de perspicácia. O Bengalão teria preferido que Sua Excelência tivesse esclarecido qual é o número mínimo de habitantes para que um país não possa ser excluído destas festividades. Quer dizer, dando de barato que Sua Excelência tem razão, será que, se os Jogos fossem na Índia, menos populosa do que a China, mas mesmo assim um formigueiro imenso, os poderíamos boicotar, por causa das castas e outros vícios menores? Ou, sendo os Indianos ainda muitíssimos, poderíamos boicotar os Paquistaneses? Os Russos (bem, esses já foram boicotados)? Ou os boicotes só são admissíveis se forem exercidos sobre países pequenos, de preferência sem grande comércio externo e com um exército diminuto? Por exemplo, se o Vaticano (ditadura teocrática em que não há liberdade sindical, nem liberdade de culto, nem eleições livres e em que as mulheres são claramente descriminadas) se atrever a querer organizar as Olimpíadas de 2024, a sanha boicotadora de Durão será impiedosa. Agora a China não. Não podemos excluir um quarto da humanidade, Durão dixit. Primeira medalha de ouro, e os Jogos ainda nem tinham começado.




A segunda medalha de ouro ficou em casa. Ganhou-a, com garbo, o Presidente do COI. Algumas ONGs, preocupadas com o aparente nihil obstat, como diria o Ingenhêro se tivesse estudado em Inglaterra, porque eles, na pérfida Albion, ainda estudam Latim, dos governos ocidentais aos seus amigos chineses resolveram propor aos atletas da União Europeia o uso de emblemas com frases de defesa de princípios que os políticos europeus costumam classificar de sagrados e universais. O Senhor Presidente, preocupado com o bem estar dos seus homólogos chineses, veio a terreiro declarar que isso seria inadmissível, que os Jogos nada têm a ver com a política e outros argumentos do género que nos fizeram recordar outros momentos em que o COI

os utilizou de modo igualmente infeliz. Alguns de nós, mais convencidos da importância da memória, recordam-se de como o COI concedeu a organização dos Jogos a Berlim, apesar de a Alemanha não querer que atletas judeus ou negros participassem nos Jogos. E os atletas, em Pequim, não puderam usar sequer um emblemazito a dizer I love human rights, para não ofender a China, nem sequer I love human, para não ofender os defensores dos animais, nem mesmo I love, para não ofender o Papa, e muito menos I, para não ofender os pouquíssimos antiliberais que ainda subsistem no Partido Comunista Chinês. Segunda medalha, ainda os Jogos estavam no adro.




O Bengalão começou por dizer que deu aos Jogos a atenção que eles merecem. O Leitor, que por estes tempos já terá notado que a precisão de linguagem é apanágio d'O Bengalão, não terá daí inferido que O Bengalão passou noites insones, de olhos abertos à força de muito café, a olhar para a televisão, seguindo as peripécias de um emocionante jogo de softball, tentando adivinhar, o melhor que podia, o que se passava debaixo de água num jogo de polo aquático, ou vendo uns senhores, artificialmente zarolhos, a tentarem ficar o mais quietos possível para depois, ao toque de um apito, desatarem aos tiros contra um alvo que lhes não tinha feito mal nenhum. Claro que não. O Bengalão deve confessar que não viu, em directo, uma única prova. Viu, nos telejornais, alguns resumos e o salto do Nelson Évora. Também ouviu a entrevista do Marco Fortes. O resto dos Jogos, O Bengalão acompanhou-os através das cartas dos leitores do Público. (Repara, Leitor, que O Bengalão distingue entre ti, Leitor, e os meros leitores do Público). Ou seja, O Bengalão deu aos Jogos Olímpicos a atenção que eles merecem.



O que O Bengalão leu nas cartas dos leitores, não fosse O Bengalão um homem cosmopolita, que se sente à vontade de Forno Telheiro ao Terreiro das Bruxas, de Gonçalbocas a Vale de Lamula, ter-lhe-ia provocado um espanto do qual demoraria anos a recuperar. Em primeiro lugar, queixam-se os leitores das declarações de Marco Fortes. Sabes quem é o Marco Fortes, Leitor? É um grandalhão, de pele pigmentada (estás a ver como O Bengalão também é capaz de ser politicamente correcto?), que tudo destinava a andar aos tiros na Quinta do Mocho e que, em vez disso, é recordista nacional do lançamento do peso e já ganhou algumas medalhas para Portugal. Desta vez, lançou o peso a 18,05 metros, mais de 2 metros abaixo do que é capaz de fazer, mas mais de meio metro acima do salto do Nelson Évora. Para se ter uma pequena ideia do lançamento do Marco, se ele estivesse à porta d'O Bengalão, atirava o peso até quase ao meio do jardim, depois de atravessar a casa toda. É obra. O Bengalão, se a Mulher da sua vida o deixasse experimentar, chegaria, no máximo, à entrada da cozinha. O Bengalão não pode, portanto, deixar de admirar o Marco.
E o que declarou o Marco? Pois declarou que, à hora em que foi a prova, ele se sentia bem era na caminha. E O Bengalão confessa que sentiu alguma ternura ao ver aquele grandalhão que, se para aí lhe desse, com uma só bofetada levava O Bengalão à glória, confessar, com um sorriso de menino, que, às oito da manhã, o que lhe apetecia era Vale de Lençois. O que tu foste dizer! Houve logo quem escrevesse para O Público, a dizer que era inacreditável, que pagava os seus impostos, que se deitava às cinco da manhã e os atletas, como é que lhe pagavam? Pois nem uma medalha, e, ainda por cima, com gracejos pouco dignos de profissionais. A'O Bengalão parece-lhe que está a vê-lo. O Paulo Alexandre, de fato treino roxo e cabelo ainda molhado do duche domingueiro, vira-se para a filha, antes de saírem todos para o passeio ao Centro Comercial: Oh Carla Vanessa, diz à tua mãe que ponha umas bejecas no frio, que logo faço serão! Fazes o quê? pergunta o rebento, que não tem jeito para línguas, Faço serão, fico acordado até tarde, hoje dá atletismo e pode ser que aqueles morcões ganhem a minha medalhita. Já não é sem tempo. A Carla Vanessa não percebe bem o que o pai quer dizer mas, como quer ir ao Centro ver se já saiu o novo telemóvel, lá vai dar o recado à mãe. Algumas horas e muitas minis mais tarde, o Paulo Alexandre está indignado e escreve para O Público.
Como se isto não bastasse, o Presidente do Comité Olímpico de Portugal, expulsou o Marco de Beijing e fê-lo regressar a Portugal, com uma crueldade e falta de diplomacia que indignaram O Bengalão. E O Bengalão, se tivesse uma palavra a dizer, não deixaria que o seu dinheiro servisse para pagar as despesas e outras prebendas do Senhor Presidente.
Toda esta história só revela a ingenuidade do Marco. Tivesse ele dito: Sabe, eu sempre tive alguns problemas cronobiológicos. À hora da prova, infelizmente, o meu ritmo circadiano aconselhava-me a horizontalidade. Nos próximos Jogos, pela própria força das circunstâncias, as coisas serão bem melhores. Teria dito exactamente a mesma coisa, o Paulo Alexandre não teria percebido e até julgava que o Marco tinha obtido uma licenciatura no Programa Novas Oportunidades, O Vicente não o teria mandado regressar a Penates e o Marco teria podido emprestar o seu rasgadíssimo sorriso à festa que todos os atletas fizeram para apoiar Nelson Évora.
O Bengalão leu que "a marca Nelson Évora" vale agora 15 milhões de Euros. E que Vanessa Fernandes "gera receitas publicitárias acima dos 20 milhões". O Bengalão compreende que Marco Fortes gera muito menos receitas. Mas não lhe custa acreditar que um publicitário mais ousado, um dia destes, lance uma campanha nestes termos:
Se o seu ideal para uma manhã de domingo é, como o Nelson Évora, pôr-se aos pinchos no Estádio Universitário desde as sete da manhã, este anúncio não é para si. Mas se, como o Marco Fortes, gosta de estar na caminha até às onze da manhã, não se esqueça. Seja como o Marco! Com Colchões Molox, na caminha é um descanso!
E o Marco havia de meter uns trocos ao bolso.

sábado, 23 de agosto de 2008

Valentim

Nem O Ingenhêro merecia isto! Então não é que o Valentim, presidente de muitas organizações, algumas de utilidade pública e outras de privadíssima utilidade, negociante de muitas artes, exemplo de nobreza e paradigma de rectidão, declarou que, se calhar, apoiará o Ingenhêro nas próximas eleições? O Bengalão sabe que ambos gostam de distribuir aparelhos de variado uso, que muita gente torce o nariz aos títulos que ambos gostam de usar, mas nunca pensou que estivessem tão próximos. O Bengalão julgava que Valentim iria disputar, com a galhardia de que fosse capaz, com outros intocáveis da nossa democracia que se chamam Fátima Felgueiras e Ferreira Torres, a liderança da Região Norte no novo Partido do Jardim (e teria piada o Valentim ser dirigente de uma organização que, para todos os efeitos práticos, se chamasse PJ). O Bengalão julgava que, depois da rigorosíssima gestão do Metro do Porto, Valentim se dedicasse, pelo menos, à gestão do futuro aeroporto de Lisboa. O Bengalão julgava que, depois da justíssima e equilibrada gestão da Assembleia Geral da Liga, Valentim fosse escolhido, sob os aplausos reverentes de uma Nação rendida, para dirigir o Tribunal Constitucional (O Bengalão sabe que Valentim não é jurista, mas tem grande experiência de assuntos judiciais). Mas não. Nada disso. Valentim vai apoiar o Ingenhêro. E apoiar o Ingenhêro é, como todos sabemos, um emprego a tempo inteiro.
A não ser que. A não ser que a Contabilista, que parece já ter feito uma pós-graduação em tabulogia com o Professor Cavaco, gerindo agora o seu silêncio como quem faz a rodagem de um automóvel eléctrico, tenha feito um doutoramento com o Pensador Marcelo e, armada com os seus novos conhecimentos em estratégia, tenha resolvido, em vez de expôr as fraquezas do Ingenhêro a golpes de ideias, corroer-lhe as bases com o ácido potente de apoios duvidosos. E O Bengalão não estranhará se forem, nos próximos dias, anunciadas, como apoiantes do Ingenhêro nas próximas eleições, outras poderosas armas de arremesso como Isaltino Morais, ou Vale de Azevedo, ou Paulo Teixeira Pinto, ou até, perish the thought, como diria o Ingenhêro se falasse Inglês, o Zé do Telhado e João Brandão.

sábado, 19 de julho de 2008

Regresso

Depois de gravíssima doença, eis de novo O Bengalão. Bem, na realidade, não foi assim tão grave, foi assim uma dor de cotovelo. Vamos até ao fim: a verdade é que O Bengalão é assim um bocadinho maricas.
Mas, depois de uma ausência de um mês e meio, o mundo mudou. O Bengalão acordou hoje e o mundo era outro. Vejamos:
O PSD tem um novo lider. Aquilo passou-se assim: Juntaram-se quatro senhores, nenhum apresentou programa, e lá foi escolhido um, sem que ninguém saiba o que vai fazer. Se O Bengalão fosse membro do PSD, ao menos teria havido debate. Diziam os candidatos, à vez, do alto do palco: Votem em mim! E O Bengalão, cá do fundo: Porquê? Porque sim! E pra quê? Logo se vê! Para além da duvidosa virtude da rima, este diálogo levaria O Bengalão a não votar em nenhum deles. Como O Bengalão não pertence à lustrosa companhia, 36% dos Senhores votaram na Contabilista. E aí está a oposição em toda a sua pujança.
Os Irlandeses decidiram em referendo não ratificar o Tratado de Lisboa. Quer dizer, o Tratado de Lisboa não pode entrar em vigor. O Senhor Presidente da Comissão Europeia veio declarar, com a solenidade de que é capaz, que "não há alternativa ao Tratado de Lisboa". O Bengalão confessa que não percebe. Se não há alternativa, para que se votou? Para que fizeram perder tempo aos Irlandeses e aos nossos Deputados? Imagine-se a quantidade de Guiness que poderia ter sido bebida se os Irlandeses não tivessem tido de ir votar! (O Bengalão abstém-se de tecer comentários ao que fariam os nossos Deputados se não tivessem tido a maçada de ir votar). Porque fazer votar um texto ao qual não há alternativa é o mesmo que um empregado de restaurante ter o topete de nos dizer, depois de espalhar pela mesa as azeitonas, o pão e aquelas pastas infectas que fazem de acepipes nos restaurantes portugueses: temos dois pratos, bife à casa e bife à casa. Vossa Excelência deseja bife à casa ou bife à casa? Ora, a um restaurante destes O Bengalão não voltaria, e a gorjeta havia de ser pequena. Não vê O Bengalão razão para ter com outro empregado seu, O Senhor Presidente da Comissão Europeia, atitude mais conciliante.
A UEFA decidiu uma coisa qualquer, ou não decidiu uma qualquer coisa, O Berngalão não sabe muito bem, mas, seja lá como for, tomou a decisão que tomou baseada no facto de um caso de que O Bengalão não quer saber, mas que decorreu em Portugal, "não ter ainda transitado em julgado". Íngénua UEFA, ignara UEFA! Pois não sabes tu que, em Portugal, a palavra "transitar", quando aposta a "em julgado", pertence ao mesmo universo semântico que transit em sic transit gloria mundi, ou seja ao universo semântico do que morreu, se finou, não existe mais? Não sabes tu que, em Portugal, um caso só transita em julgado depois de ter morrido o Juiz, e o Delegado do Procurador, e todos os acusados, e todas as testemunhas, e solicitadores, e meirinhos, e oficiais de justiça? Ignoras porventura que, em Portugal, um caso só transita em julgado depois de o Pensador Marcello ter dito de sua justiça? Não sabes que um dos casos mais mediáticos dos últimos tempos, que apaixona ainda hoje Portugal inteiro, a morte de Inês de Castro, ainda não transitou em julgado? Ignara UEFA, ingénua UEFA!
Um cidadão, depois de ouvir da boca de um Juiz as palavras que o condenavam à prisão, resolveu recorrer ali mesmo, e pregou duas estaladas na cara da Meritíssima. O Bengalão não pensa que seja à estalada que se põe a Justiça portuguesa na ordem. E acha que o cidadão deve ser exemplarmente condenado, porque o Juiz estava ali em representação d'O Bengalão e tinha assim uma dignidade que não era sua.
O que O Bengalão entende menos é a reacção dos Senhores Magistrados. O que fizeram estes Meritíssimos Senhores? Pois fizeram greve. O Bengalão, que já não entende bem que um Orgão de Soberania tenha Sindicatos para o representar (havia de ser triste a Assembleia Geral do Sindicato dos Presidentes da República e Ofícios Correlativos, com Cavaco Silva a concorrer a todos os cargos consigo próprio. Para não falar do tempo de antena de 23 de Dezembro, 30 segundos de televisão com Cavaco Silva a dizer, a toda a velocidade, Camarada, adere ao teu Sindicato, Unidos Venceremos, contra a ofensiva do Povo, a luta continua!), entende ainda menos a greve de um Orgão de Soberania. As condições de exercício das suas funções eram intoleráveis? Muito provavelmente. Mas o que fizeram contra isso os Meritíssimos Senhores? Recorreram porventura aos bons ofícios do Conselho Superior de Magistratura? Chamaram a atenção do Senhor Presidente da República, garante do "normal funcionamento das instituições democráticas", incluindo os Tribunais? Moveram, contra o Governo uma acção judicial por entave à acção da justiça? Não. Nada disso. Ou seja, os Meritíssimos Senhores não se comportaram como um Orgão de Soberania. Fizeram greve. Como funcionários. Empregadotes. Funcionariozecos. Querem os Merritíssimos Senhores o respeito d'O Bengalão. Pois mereçam-no.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Doenças

O Bengalão está doente. Tem uma tendinite no cotovelo direito. Deve ser das bengaladas. Mas o certo é que, nas próximas semanas, não pode computar. Como vais sobreviver, Leitor, sem O Bengalão? E logo agora que... e que... Mas vou-me, que se não o Doutor zanga-se.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Francisco Lucas Pires

Fez ontem 10 anos que Lucas Pires deixou de estar entre nós. O Bengalão teve o privilégio de partilhar com ele momentos, por vezes por razões profissionais, por vezes porque Lucas Pires era um Homem a quem as actividades sociais ligadas ao exercício do poder fatigavam depressa. Fugia assim muitas vezes das lantejoulas que acompanham as obrigações de quem exerce cargos públicos de grande responsabilidade, e refugiava-se no anonimato de contactos menos aparatosos, mas concerteza mais verdadeiros, em que revelava a pessoa que estava por detrás do político. Lucas Pires era um homem de convicções, um democrata conservador com uma consciência social muito atenta, de que Portugal teria hoje uma necessidade gritante. O Bengalão sossega desde já os seus amigos que estarão a pensar Olha este, queres ver que virou a casaca? O Bengalão não se revê nas ideias políticas de Lucas Pires. Nunca se reviu. Mas, como ele democrata convicto, acha que todas as ideias, mesmo as suas, são perigosas se forem promovidas a pensamento único. Por isso pensa que, no Portugal de hoje, um homem como Lucas Pires faria muita falta. Por razões históricas que toda a gente conhece, não há, em Portugal, uma grande tradição de Direita democrática. E O Bengalão pensa que Portugal precisa de uma Direita que não seja nem um espectáculo de gosto discutível, nem uma mera agência de empregos. Lucas Pires podia ser, se não tivéssemos todos sofrido a perda enorme da sua morte, o dirigente dessa Direita. O Bengalão não votaria nele, é certo, mas dormiria descansado no dia em que ele ganhasse as eleições. Para além disso, O Bengalão recordará sempre o Homem cultíssimo, conversador extraordinário, com um facílimo contacto com os grandes do poder e com a pessoa encontrada ao acaso, na rua, num país estrangeiro em que quase ninguém sabia quem ele era. Recordará a extraordinária urbanidade de um Homem que sabia ouvir, a lucidez com que compreendia mesmo aquilo que acabava de aprender, a curiosidade extraordinária que o levava a dar atenção a tudo, mas mesmo tudo, o que se passava à sua volta. O Bengalão lembrar-se-á, também e sempre, da nostalgia e do amor com que, quando estava fora de Portugal, falava da sua família.
Tê-lo conhecido foi um privilégio. E O Bengalão, que é um priveligiado, quis partilhar contigo, Leitor, este momento de saudade. Que os dois Partidos a quem tanto deu não tivessem, sequer, vertido uma lágrima de circunstância, apenas aumenta a saudade.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Educação, mais uma vez

Como todos sabemos, o Governo está empenhado em desenvolver o uso das tecnologias da informação em todos os graus de ensino.

O Bengalão, que não está com disposição para escrever, limita-se, une fois n'est pas coutûme, a transcrever, com a devida vénia, estes dois artigos, da edição de ontem de Le Soir e a pedir encarecidamente à Lurdinhas que os leia. Não são opiniões, são dados factuais provenientes de estudos levados a cabo por instituições inatacáveis.


Génération « copier-coller » ?
BENJAMIN MORIAME
mercredi 21 mai 2008, 09:31

Comment les jeunes cherchent-ils une information ou un document ? Quels sont leurs principaux défauts ? Petit florilège des lacunes épinglées par les chercheurs.
Source. Premier piège à éviter, selon les responsables de l’étude : le « réflexe internet ». Or, c’est justement leur constat principal : la grande majorité des jeunes choisissent le moteur de recherche (Google, Yahoo…) comme source prioritaire. La base de données bibliographiques, considérée comme « la bonne réponse », ne recueille que 1,2 % des suffrages ! Certains inscrivent la télévision dans la case « autres ».

Qualité. Les étudiants ne sont pas capables de faire preuve d’esprit critique face à un site internet. Seuls 13,4 % savent comment juger de la qualité des informations, qui est fonction de l’auteur. Ils sont plus nombreux à juger de la qualité selon que le site est accessible rapidement.

Éthique. Les connaissances en matière d’éthique sont parmi les plus lacunaires : moins de 15 % savent qu’ils doivent toujours identifier leur source, même lorsqu’il s’agit d’une page web. Génération « copier-coller » ?

Mots clés. Plusieurs questions consistaient à déterminer, pour un sujet donné, des mots clés à utiliser dans les moteurs de recherche. Les résultats sont très faibles. La première des questions de ce type, probablement la plus facile, a recueilli un quart de bonnes réponses.

Opérateurs booléens. Un jeune sur trois ignore la signification des sigles « et », « ou », « + » et « sans » pour un moteur de recherche. Beaucoup ignorent que ces sigles conventionnels, appelés « opérateurs booléens » (du nom de Boole, qui les a définis), ne sont pas utilisés de la même façon par les différents moteurs de recherche disponibles en ligne.

Encyclopédie. Six étudiants sur dix savent que l’encyclopédie est le meilleur moyen pour aborder un sujet méconnu. Tout n’est pas perdu.


La génération Google est busée
BENJAMIN MORIAME
mercredi 21 mai 2008, 09:31

S'INFORMER via internet n'est pas simple. La preuve ? Les jeunes en sont incapables, révèle une étude.
Les étudiants qui arrivent dans l'enseignement supérieur, pourtant habitués à l'utilisation de Google, MSN et Myspace, affichent de profondes lacunes en matière de recherche documentaire et informationnelle, y compris via internet », indique une étude présentée mardi lors d'un colloque à l'Université de Gembloux, réalisée par l'ASBL Edudoc et le Conseil interuniversitaire francophone (CIUF). Les 1.865 jeunes qui ont répondu à l'enquête obtiennent une note moyenne de 7,67 sur 20, tandis que 93 % n'obtiennent pas la « satis ».
Contre toute attente, les résultats ne sont pas meilleurs chez les 94 % d'étudiants qui disposent d'une connexion internet à domicile. Au contraire, ceux-là se trompent plus lourdement. Des constats similaires avaient été posés au Canada, où l'enquête a été rédigée et appliquée une première fois. Les Canadiens obtiennent néanmoins des résultats légèrement supérieurs avec une moyenne de 8,97.
Parmi les défauts majeurs des jeunes (lire par ailleurs), les chercheurs épinglent surtout le recours prioritaire quasi systématique à internet, aux dépens des ressources traditionnelles de la bibliothèque. Or les étudiants manqueraient gravement d'esprit critique face au web et ne seraient pas compétents pour utiliser les moteurs de recherche.
« Il existe des outils de très haut niveau sur internet, mais il faut pouvoir les dénicher sans se laisser attirer par les fausses pistes », précise Paul Thirion, codirecteur de l'étude et président de la commission bibliothèque du CIUF. Une connaissance des bibliothèques est un atout pour naviguer sur la Toile : les performances des jeunes augmentent en fonction de leur fréquentation des centres de documentation.
L'influence de la mère
Les résultats des étudiants s'améliorent également en fonction du niveau d'enseignement de leur mère. Celui de leur père est moins influent. Les universitaires (8,13) connaissent des lacunes moins sévères que les non-universitaires (7,05). Les étudiants en littérature ou en sciences exactes affichent les résultats les plus élevés et les futurs instituteurs ou régents les plus mauvais. Enfin, les jeunes ayant suivi les options « latin » ou, dans une moindre mesure, « maths fortes » sont également plus performants.
Les ministres en charge de l'Enseignement vont être informés par les responsables de l'étude. « Nous plaiderons pour le renforcement des cours de recherche documentaire dans l'enseignement supérieur alors que nous ne sommes pas sûrs, actuellement, qu'ils seront maintenus, commente Bernard Pochet, codirecteur de l'étude et président de l'ASBL Edudoc. Nous souhaitons la généralisation des formations à la recherche documentaire dans l'enseignement secondaire. »

Torcato Sepúlveda

Quando O Bengalão fez hoje aquilo que faz todas as manhãs, abrir o computador e ler O Público, foi brutalmente agredido pela notícia da morte de Torcato Sepúlveda. Outros farão o elogio do Jornalista exemplar, do Crítico agudo, do Professor de muitos dos que hoje escrevem sobre cultura. O Bengalão prefere guardar os olhos doces do amigo que conheceu na Faculdade, do Homem de coragem sempre pronto para enfrentar a polícia nos anos loucos das crises académicas de Coimbra, da independência de quem, mesmo ali, sempre se negou a seguir com a maioria. O Bengalão recordará a irreverência de Torcato, os excessos de Torcato, os cabelos compridos de Torcato, a sua enorme, imensa generosidade, o lume que o habitava, o seu sentido de humor acre como o vinagre balsâmico de Modena. O Bengalão levará consigo a inquietação do Companheiro a quem, segundo dizia, até os periscópios oprimiam. Hoje, todos perdemos muito. Não há em Portugal muitos homens livres. Torcato era (é) um deles. Encontrar-me-ei contigo, Companheiro, no poço fundo da minha memória, onde começam a viver muitos dos que amo.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Mouros

Se leste o post anterior, caro Leitor, sabes que O Bengalão prometeu que te ia comunicar o resultado da sua exaustiva investigação sobre o mito, comum nas plagas nortenhas, de que os Mouros, em Portugal, vivem abaixo do Mondego, onde constituem a quase totalidade da população. O Bengalão procedeu, se bem te lembras, a uma investigação aturada, e exaustiva que demorou exactamente o tempo imenso que vai, na vida d'O Bengalão, entre o pequeno almoço e a primeira pausa para o café, ou seja, quase meia hora, estudo que incluiu até, imagine-se, a consulta atenta da obra Factos da História de Portugal, do Professor Hermano Saraiva, edição de bolso da Europa-América para a sua colecção O Riso é o Nada que é Tudo (Haverá humor em Portugal depois de José Vilhena?), dirigida por Manuel Maria Carrilho e distribuída gratuitamente nos Supermrcados Continente.
As conclusões a que O Bengalão chegou são claras e irrefutáveis. Além disso, dão ainda mais razão a'O Bengalão que, quando ouve falar de regionalização sem lhe dizerem como e para quê, pensa sempre que lhe querem ir ao bolso. A coisa é fácil de explicar e resume-se assim: na Guarda não há um museu subsidiado pelo Estado. Apesar de o Teatro Municipal da Guarda ter uma das melhores programações do País (se não acreditas, Leitor, vai ver, está tudo na rede), isso deve-se ao dinheiro dos habitantes da Guarda, pagos nos bilhetes e com o orçamento da Câmara Municipal, e ao empenhamento do Presidente da Câmara e do Vereador da Cultura, para além do trabalho, da persistência e da competência do Américo Rodrigues, a quem a Guarda muito deve. O Estado português não esportula um cêntimo. Na Guarda não há uma rede de transportes com subsídio estatal, apesar de, entre a estação do caminho de ferro e o centro da cidade mediarem 6 longuíssimos e íngremes quilómetros. Na Guarda, o Governo do Ingenhêro encerrou a Maternidade. Na Guarda, apesar de ser uma das regiões mais fustigada pelos fogos florestais, não há um corpo permanente de bombeiros profissionais, nem sequer um quartel de tropa macaca para ajudar os Voluntários que nos defendem. Na Guarda não há nada disto. Os impostos pagos pelos cidadãos da Guarda servem, entre outras coisas, para pagar o Teatro Nacional de D. Maria, e os Museus Nacionais todos, e o passe social dos Lisboetas, e a rede hospitalar da capital, e os Sapadores Bombeiros de Lisboa, e o resto que se sabe. Dir-se-á que é normal, todos os países têm uma capital e tem de se tratar a capital de modo a que esta sirva de atracção que beneficiará o país todo. O Bengalão não discutirá isto, apesar de não lhe parecer que o argumento justifique todo o dinheiro que a Guarda paga para que Lisboa viva melhor nem o dinheiro que Lisboa não paga para que a vida, na Guarda, seja menos dura. O Bengalão não discutirá isso. Tratará Lisboa como se esta fosse uma Senhora a que O Bengalão pôs casa, e que, de vez em quando visita. Quem não tem dinheiro não tem vícios e O Bengalão é um mãos largas.
Parece-te, Leitor, que O Bengalão ensandeceu de vez? Que estes argumentos, lógicos, sensatos, irrespondíveis, parecem ser mais a favor da regionalização do que contra ela? Estás enganado, Leitor, e já vais ver por quê.
Desde há uns anos, tem O Bengalão ouvido e lido personalidades conhecidas do Porto defenderem a regionalização nos seguintes termos: Portugueses somos nós, os de Lisboa são Mouros, se não fôssemos nós, ainda andavam todos de babuchas e a fazer salamaleques, daqui houve nome Portugal e, portanto, queremos o que é nosso. Uma região, o Norte, do Atlântico aos Urais de cá, que são em Trás-os-Montes, com a capital no Porto e que termine com este insulto à verdadeira fé e à pureza da grei.
Ora esta posição não tem qualquer respeito pela verdade histórica. Dizer que os Mouros estavam lá em baixo e que os Nortenhos vieram por aí abaixo conquistar a Mourama é um disparate. O Bengalão está em condições de afirmar, depois de aturado estudo, que o que se passou foi o seguite: Onde hoje é Portugal, antes do Judas perder as botas, antes mesmo de ser Presidente da Câmara de Cascais, vivíamos nós, os Celtiberos, em paz com as nossas ovelhas e as nossas montanhas. Fomos invadidos pelos romanos, mas estes, que eram decadentes, preferiram a praia aos Montes Hermínios e deixaram-nos em paz, com as nossas montanhas e as nossas ovelhas. Perdemos algumas terras, mesmo algumas gentes, mas, como as montanhas eram nossas, aceitámos tudo com guterriana resignação: É a vida... Uns séculos mais tarde, fomos atacados por dois grupos de bárbaros, uns vindos do Norte, outros do Sul, todos a tentarem convencer-nos de que possuiam a religião verdadeira e sabiam de que material era feito Deus. Nós, que sabíamos bem que de barro tínhamos criado deuses à nossa imagem e semelhança, todos fortes como as nossas montanhas e úberes como as nossas ovelhas, sorrimos e fomos indo mais para cima, para o mais alto dos Montes Hermínios. Godos e Mouros, assim se chamavam os bárbaros, guerreavam-se nas praias. Nós estávamos em paz com as nossas ovelhas e as nossas montanhas. Até que um dos bárbaros do Norte teve uma ideia luminosa. Aproveitando o facto de os dirigentes dos Mouros terem ido ao Algarve passar umas férias, veio por aí abaixo, tomou conta das terras até ao Mondego e, genial como só um bárbaro pode ser, levou toda a gente (todos os Mouros!) para cima, para o Norte, para que, quando os Chefes Mouros regressassem, não tivessem quem lhes preparasse o cuzcuz ou engomasse a jilaba. O bárbaro, Vímara Peres, chamou a isto nomes fortes e tão bárbaros como ele, a presúria e o ermamento. De modo que, na vasta região entre Douro e Mondego, só ficámos nós, em paz com as nossas montanhas e as nossas ovelhas, lá no cimo dos Montes Hermínios, onde não chegou a fúria vimaranense.
Parecer-te-á, caro Leitor, que esta versão dos factos se afasta ligeiramente da realidade. Mas esse é o Destino da História. No dia em que a História contasse a Verdade, com maiúscula, deixava de existir.
Sabe-se o resto. Sabe-se que nós, os verdadeiros Portugueses, fomos recuando e subindo cada vez mais. Sabe-se que hoje estamos confinados à cidade da Guarda, mais precisamente à freguesia de S. Vicente. Sabe-se que os Godos, incapazes de competir com os Mouros em termos de produtividade filhícola, se foram afogando no mar de Mouros que tinham trazido do Sul. E a situação é hoje esta: em Portugal há uns poucos milhares de verdadeiros portugueses, concentrados na freguesia de S. Vicente, na Guarda. O resto, tudo Mouros. O Luís Filipe, Mouro, o Pinto da Costa, Mouro, o António Barreto, Mouro, a Agustina Bessa Luís, Moura, todos Mouros, o Manoel de Oliveira, o Siza Vieira, o Rui Rio, a Deuladeu Martins, o Bispo do Porto, o Camilo Castelo Branco, o Sá Carneiro, o Pedro Burmester, o Vitor Baía e o Homem do Laço. Todos Mouros. Todos os Tripeiros, e os de Braga, e os de Viana, e os de Guimarães, e os de Amarante, todos os portugueses fora de São Vicente, todos, mas todos, Mouros. Com a notabilíssima excepção da minha amiga Vera, que é judia. O Bengalão conhece a Vera há muitos anos e, como diria o Ingenhêro se soubesse Inglês, sacrifica à deusa da coragem mais na ara das palavras do que no altar das acções. Nunca se atreveria, portanto a chamar Moura à sua amiga Vera.
Ora os verdadeiros Portugueses, que já têm de pagar os luxos mornos e sedosos da Cidade Branca, não vêem por que hão-de pagar também os luxos tersos e vigorosos da Cidade Negra. Para voltar à Senhora a que O Bengalão pôs casa, não quer O Bengalão pôr casa a outra. Faltam-lhe para isso vigor e cabedais.

Tripeiros e Alfacinhas

Alguns amigos, depois de lerem o que O Bengalão disse sobre António Barreto, acusam O Bengalão de ser um periculosíssimo centralizador, que é o mais novo dos mimos com que se ataca quem age como se Portugal fosse Lisboa e o resto paisagem. Pois tu, Bengalão, tu cujas raízes mergulham fundo nos granitos da Guarda, tu, glorioso fundador da Frente de Libertação da Egitânea, tu, Bengalão, és contra a regionalização? E atiram-se a O Bengalão com todo o vigor destas rimas explosivas. Ora O Bengalão quer deixar claro que não é contra a regionalização. Também não é a favor, aliás. A regionalização não é, não pode ser, um fim em si. É um meio. O Bengalão confessa que partilha alguns dos objectivos de que a regionalização pode ser ferramenta fundamental. Mas as ferramentas podem ser usadas para coisas muito diferentes. A sachola com que o camponês de Júlio Diniz lavrava amorosamente a terra era também usada em Miguel Torga para resolver, de maneira brutal mas eficaz, alguns diferendos de águas. Não temos nós a prova disto em Portugal? A regionalização portuguesa produziu duas realidades distintas, e a diferença entre as duas regiões autónomas não tem nada a ver com os partidos que as governam. O Bengalão distingue bem a boçalidade gorda do Senhor Jardim da secura monacal do Senhor Mota Amaral (a propósito, conte-se que O Bengalão teve a oportunidade de cumprimentar, em ocasiões diferentes, os dois Presidentes. Nas breves palavras de circunstância que trocou com cada um deles, o Senhor Jardim revelou-se amável e urbano, e o Senhor Mota Amaral foi simplesmente malcriado. As aparências enganam). Segue-se portanto que O Bengalão, antes de responder à pergunta: és a favor ou contra a regionalização, procura responder às seguintes, que se lhe antecedem: regionalização para quê? Sou a favor ou contra esse objectivo? Há ou não há outras maneiras de o atingir? Quais dessas maneiras têm menos efeitos colaterais negativos? Quanto custa cada um desses caminhos? Depois de responder a estas perguntas, O Bengalão saberá se é a favor ou contra, naquele momento e para aquele fim, daquela regionalização concreta.
Há no Porto, que é uma cidade cosmopolita e civilizada, um grupo de populistas que, incapazes, ignaros, sem memória nem cultura nem inteligência, passam a vida a queixar-se de Lisboa. Luís Filipe é um bom exemplo disso. Disse a Luminária de Gaia que foi derrubado da cadeira do poder porque é um homem do Norte. Quando toda a gente sabe que, para Luís Filipe chegar ao poder, derrubou um homem de Vila Nova de Famalicão para quem Luís Filipe, que vinha de Gaia, era quase um Mouro. Estes populistas baseiam o seu discurso em dois pressupostos: Que, abaixo do Mondego, só há Mouros; que, para um Alfacinha, Portugal é só Lisboa e o resto é paisagem. O Bengalão procurará desmontar hoje o segundo destes pressupostos. Quanto ao primeiro, O Bengalão está a realizar uma investigação científica, séria, profunda, aturada e exaustiva, que começou hoje ao pequeno almoço e terminará dentro de cinco minutos, à hora da pausa do café, o que lhe permitirá, ainda hoje, iluminar a tua inteligência, Leitor.
A afirmação, tantas vezes repetida, de que, para um Alfacinha, Portugal é só Lisboa e o resto é paisagem é falsa e resulta de uma profundíssima ignorância das volutas do cérebro do Lisboeta. A visão do mundo do Alfacinha, a sua Weltanschauung, como diria o Ingenhêro se fosse capaz de ler um livro do Carrilho até ao fim sem adormecer, é muito mais complexa do que o preconceito tripeiro deixa perceber. O Bengalão, observador atento, começou a notar isto quando reparou que todos os seus amigos alfacinhas consideravam que ele vinha do Norte. Vocês, lá no Norte... Então quando voltas para o Norte? O Bengalão, depois de os esclarecer, como era seu dever, Você, na minha terra, é um burro, bem tentava explicar que não, que a Guarda não é no Norte, chegando mesmo, sendo, como é, um monstro de sensatez, a tentar explicar que num país em que as assimetrias são mais na longitude do que na latitude, fazia mais sentido perguntar a O Bengalão, Então quando voltas para o Leste? do que repetir a pergunta sacramental. O Bengalão chegou mesmo a atitudes extremas e, de há uns anos a esta parte, quando um Alfacinha lhe pergunta, Então de onde és?, O Bengalão responde, provocador, Sou da Guarda, província de Salamanca. O Alfacinha não tuge nem muge. Nada surpreende um Alfacinha. E diz, Ai sim? Que giro! Então quando voltas para o Norte? Procurou O Bengalão compreender as razões profundas deste comportamento e as conclusões a que chegou abrem, passe a imodéstia, caminhos absolutamente novos para abarcarmos toda a complexidade da visão que o Alfacinha tem do mundo.
Vejamos, então. Para o Alfacinha, o mundo divide-se em três partes, ou, como diria o Ingenhêro se tivesse lido os seus clássicos, omnis terra divisa est in partes tres, a saber: o Estrangeiro, a Praia, e Este País. O Estrangeiro é um sítio que pode ser muito bonito, mas vê lá se eles têm lá melhor do que esta merda. Esta merda pode ser quase tudo, do queijo da Serra ao Nuno Gomes, dos pastéis de Belém à Mariza, dos caracóis da Graça à Soraia Chaves. O Estrangeiro localiza-se em Badajoz. A Praia divide-se em duas partes, a saber, o Allgarve, onde o Alfacinha passa os fins de semana, e o Brasil, onde passa férias. O Alfacinha não passa fins de semana no Brasil porque é longe e vai lá passar férias porque ali, ao menos, fala-se Português.
Este País divide-se em três partes: A Lisboa-Mor, a Outra Banda e o Norte. A Lisboa-Mor é formada por três anéis. O central, Lisboa, é constituído por quatro praças, a Praça do Município, o Terreiro do Paço, o Rossio e os Restauradores. Em Lisboa não vive ninguém. À volta de Lisboa, nos bairros periféricos de Alfama, Mouraria, Bairro Alto, etc., vivem os Alfacinhas. Estes bairros, junto com Lisboa, formam a Grande Lisboa. A região à volta da Grande Lisboa, e que com esta forma a Lisboa-Mor, divide-se também em três partes: as Quintas, onde dantes o Alfacinha ia fazer pic-nics e agora já não vai porque Que horror, não há pachorra, Sintra que, como sabem todos os Alfacinhas, é a terra mais bonita do mundo, onde dantes o Alfacinha ia às Espanholas e agora não vai porque, como é do conhecimento de qualquer Alfacinha, o IC 19 é a rodovia mais congestionada do mundo e o Alfacinha não gosta de andar de comboio, e a Linha do Estoril, que vai da Madragoa à Praia do Abano, onde dantes o Alfacinha ia à praia e agora vai comer feijoada de gambas. A Outra Banda divide-se em duas partes, o Alentejo, donde dantes o Alfacinha importava coentros, migas e mulheres a dias e agora não sabe para que serve, e o Deserto, onde não há Escolas, nem Hospitais, nem Estradas, onde dantes o Alfacinha ia comer caldeirada e olhar para Lisboa e agora não vai porque a zona foi desactivada pelo Ministro Jamé. O resto d’Este País chama-se O Norte. Já foste àquela tasca de Campo de Ourique, o Curral da Mula? Come-se lá um cozido, pá... E, depois, em voz sussurrada e segredante, O dono é do Norte, e manda vir de lá o enchido todo... O Norte é, assim, o País mítico donde vêm as chouriças.
E pronto. O Bengalão espera ter destruído, definitivamente, a atoarda segundo a qual, para o Alfacinha, para além de Lisboa, só há a paisagem.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Não fumadores

O Bengalão também pensou, como toda a gente, dizer umas graçolas sobre as cigarradas que foram fumadas a bordo de um avião da TAP a caminho de Caracas. O Ingenhêro, pouco prudente, entrou num avião sem estar acompanhado de quatro acessores fundamentais, como faz qualquer pessoa avisada, a saber, um jurista generalista para lhe explicar que um avião, mesmo fretado, se é usado ao serviço do Governo, é um lugar público e, portanto, está no âmbito da legislação, aprovada pelo Ingenhêro, que restringe, nesses locais, o uso do tabaco, um jurista especializado em Direito laboral para lhe explicar que as hospedeiras da TAP, quando vão no avião, fardadas e a oferecer espumante, estão a trabalhar e, portanto, estão cobertas pela legislação, aprovada pelo Ingenhêro, sobre o uso do tabaco nos locais de trabalho, um jurista especializado em Direito internacional, para lhe explicar que o avião da TAP, mesmo voando fora do espaço aéreo português é território nacional e, portanto se lhe aplica a legislação, aprovada pelo Ingenhêro, sobre o exercício do vício de Nicot e, last but not least, como diria o Ingenhêro se soubesse Inglês, um Engenheiro, dos verdadeiros, daqueles que faz mesmo projectos e que estudou para obter o seu diploma, para lhe explicar que um avião, em pleno voo, é um espaço fechado, sendo assim proibido, nos termos da legislação aprovada pelo Ingenhêro, fumar a bordo. O Ingenhêro não teve essa precaução mínima e, como adquiriu o seu diploma na Universidade Independente, não tem por hábito pensar, e, assim, não lhe ocorreu perguntar à hospedeira, coitadito. O Bengalão também queria molhar a sopa. Mas, depois de ver o post do Xico da Popelina, aqui , acha que não é necessário.

domingo, 18 de maio de 2008

A Televisão e os Populares

A história conta-se em três penadas. Um agricultor transmontano, de 65 anos, calculou mal uma manobra quando conduzia o seu tractor, este virou-se, matando o infeliz. Foi um acidente banal e frequente, num país em que o Governo ainda não se lembrou de proibir a venda de tractores sem cobertura de protecção.
Ora O Bengalão soube do caso pelo Telejornal. O que fez a Televisão? Pois tentou transformar isto num espectáculo, que é o que sempre faz. Se a Televisão tivesse algum pudor e alguma decência, nem sequer tinha dado a notícia, que só é relevante para a família enlutada, deixando esta na paz que se quer para todas as coisas importantes da vida, ou seja, o nascimento e a morte. Se fosse competente, a Televisão tinha imediatamente encarregado um dos seus jornalistas de começar a preparar um programa de investigação, para que nós, daqui a uns meses soubéssemos quantas pessoas morrem em Portugal por ano em acidentes destes, e a razão pela qual o Governo não entende que se justifiquem regras de protecção para quem, por não ter instrumentos de trabalho seguros, morre a trabalhar.
Mas a Televisão não é nem decente, nem competente. E, assim, como o Fernando Mendes não estava disponível para a reportagem, enviou para o local uma lambisgoiazita a fingir de jornalista, que chegou a uma cena gritante de vazia, em que não havia já nem tractor, nem cadáver, nem sequer, ao menos, viúva lacrimejante ou filho inconsolável.
A lambisgoia, em desespero de causa, aplicou o Artigo único do Livro de Estilo da RTP: Quando, por circunstâncias imprevisíveis, a viúva, sem qualquer respeito pela Comunicação Social, se recolher ao recato da sua casa para começar a chorar o seu morto, antes da Televisão poder recolher as lágrimas que lhe cabem, deve entrevistar-se um Popular. Foi o que fez a lambisgoia. A resposta do Popular, identificado em rodapé como "Testemunha" foi modelar: pois, sabe, eu quando cá cheguei já estavam a tirar o corpo. Não tinha, portanto, assistido a coisa nenhuma. A lambisgoia, persistente, não desistiu. E entrevistou o Comandante dos Bombeiros de Bragança que, fardado e tudo, declarou: "Quando chegámos, a vítima estava em estado de cadáver". Se repararmos bem, a profundidade da declaração é imensa. A morte é um estado. A vida também. A isto se chama teoria quântica da vida. Os ares de Trás-os-Montes fazem milagres.
A atracção da Televisão pelos Populares é extraordinária. E O Bengalão confessa que tem um sonho na vida. Estar presente quando aconteça um destes desastres em que a vida é pródiga, só para que, quando a lambisgoia de serviço avançar para O Bengalão, de microfone em riste, dizendo, com aquela voz ondulada que eles aprendem agora nas Faculdades de Comunicação Social, Senhores espectadores, o cenário é indescritível, temos aqui um Popular (o Popular é O Bengalão), O Bengalão lhe poder dizer, em directo e ao vivo: Vai chamar Popular ao cqtf.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Cancro da mama

O Bengalão estava a trabalhar e a ouvir, distraidamente, a RTP. De repente, o programa versa histórias de mulheres que sobreviveram a cancros da mama. Todas histórias de coragem e de vontade de viver. Todas mulheres bonitas, sorridentes, serenas, com quem apetece estar. Simone de Oliveira contou que se recusou a fazer uma reconstrução mamária depois da mastectomia radical a que foi sujeita. E disse que é perfeitamente possível continuar a ser mulher, e ser bonita, e ser atraente, e ser sedutora depois de sofrer um ataque tão radical como este à integridade física. O Bengalão acha que Simone tem toda a razão. Tem razão a Mulher bonita, e atraente, e sedutora que Simone de Oliveira é. Com cancro ou sem ele.

domingo, 11 de maio de 2008

Futebol

Atenção, Leitor, muita atenção. Para edificação dos Povos e espanto das Nações, O Bengalão vai falar de futebol. Saberás, Leitor, não podes deixar de saber, se não tens passado os últimos meses escondido no fundo do poço da Quinta da Regaleira, a meditar na Glória do Grande Arquitecto do Universo, que a Justiça Portuguesa pensa que há fortes indícios de que dirigentes de alguns clubes de futebol tenham, entre outros mimos, corrompido e coagido árbitros, falsificado documentos, alterado, sistematicamente, classificações e nomeações de árbitros. A Comissão Disciplinar da Liga de Futebol pensa o mesmo. Três clubes de futebol, alguns dirigentes e árbitros foram disciplinarmente condenados por quem, em nome do Estado, exerce o poder disciplinar no futebol. Os condenados têm direito a recurso para um orgão presidido por um subordinado de um dos arguidos e dirigente de um dos clubes suspeitos.
Assim que se soube da decisão, alguns senhores que há uns anos compraram uns óculos de aros finos e passam, por isso, por intelectuais, apressaram-se a declarar que as condenações eram um ataque do centralismo ao Norte do País, escamoteando o facto de que um dos três condenados ser um clube de Leiria, que só com muito esforço pode ser considerada uma cidade do Norte. O Bengalão não liga muita importância a estas baboseiras, de tal modo está habituado a ouvir alguns demagogos do Norte a gritarem, escandalizados, de cada vez que alguém ousa uma crítica, mínima que seja, à Invicta.
Mas O Bengalão leu, com surpresa, o que escreveu António Barreto. Ora António Barreto é um homem que O Bengalão respeita. Que Miguel Sousa Tavares, que vê o mundo a preto e branco, embora tenha cara de quem a vê a preto e preto, escreva as inanidades a que há anos nos habitua deixa O Bengalão mais granítico que a Sé da Invicta. Que Manuel Serrão, de cada vez que alguém, um investidor, um artista, um professor, escolhe Lisboa para as suas actividades
espume de raiva e grite contra a descriminação de que está a ser vítima o Norte, deixa O Bengalão mais marmóreo do que as lápides do Instituto do Vinho do Porto. Mas tu, Barreto? Tu quoque, Antonie?
O que disse então António Barreto? Disse isto: "Não é admissível que um clube do Norte provinciano exerça uma hegemonia quase sem falhas. O Porto haveria de pagar." Esta afirmação, vinda de quem vem, é particularmente grave. Comece por se notar que Barreto, de uma forma desonesta a que nos não tinha habituado, escamoteia o tratamento dado ao Leiria e faz um amálgama inaceitável entre Norte e Porto. Como se dissesse "O Norte é o Porto. O resto é paisagem". Note-se de seguida que Barreto diz claramente que os processos são consciente e voluntariamente destinados, não a apurar se é ou não verdade que alguns indivíduos feriram, com o seu comportamento criminoso, a honra de uma cidade que se orgulha do epíteto de "Sempre Leal", mas a fazer o Porto pagar a ousadia. O que não diz Barreto (neste tipo de cobardias há sempre algo de essencial que se esconde) é quem está por detrás da cabala.
Ajudemo-lo, então. Duas hipóteses se põem: A Justiça Portuguesa ou a Liga de Clubes. A Liga de Clubes tem nomes, tem rostos. Se esta hipótese é verdadeira, então devemos ver quem é responsável da LC. E basta, Leitor, vermos a constituição dos orgãos dirigentes da prestimosa instituição para tirarmos algumas conclusões. Comecemos pela Assembleia Geral da Liga. É constituida por quatro pessoas. Destas, três são do Porto e uma de Setubal. Das três que são do Porto, duas são arguidas no processo judicial e a outra, um funcionário do Tribunal onde correm os autos, é arguido num outro processo por difamação de um magistrado. Nem Barreto seria capaz de convencer-nos de que são estas impolutas criaturas que movem tão encarniçada perseguição. Será a Direcção, então. Vejamos: a Direcção da LC é constituida por um Presidente, de Oliveira de Azemeis, e doze clubes, entre efectivos e suplentes. Destes, cinco são do Porto, um de Aveiro, um de Vila Real, um de Braga. Os outros quatro são um de Leiria (arguido no processo), um de Setubal, um de Lisboa e um do Funchal. Nem Sousa Tavares seria capaz de nos explicar como é que estas sapientíssimas personagens embarcam em tão injusta cabala. Acrescentemos que a Liga tem ainda uma Directora Executiva, que é do Porto (aliás, irmã de dois ex-jogadores dos Dragões). Finalmente, a Comissão disciplinar. Dos cinco membros, todos juristas, que a constituem, pelo menos quatro estão, pessoal e profissionalmente, ligados ao Porto. Alguem acredita que são estes os homens de mão da besta do centralismo?
Segue-se que Barreto, ao afirmar o que afirmou, está a acusar a Justiça Portuguesa de ter perdido a sua independência para se bandear com os perigosíssimos centralizadores que querem esbulhar o Porto das inúmeras façanhas que a cidade faria, se a deixassem. Só não faz porque a não deixam. Ai, se a deixassem...
É esta a visão que Barreto tem da Justiça portuguesa. É esta a visão que tem Barreto da mui nobre Cidade do Porto. Se o não diz claramente, é porque lhe falta a coragem. Não se pode ter tudo.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Três notícias

O Bengalão esteve ausente durante algum tempo e, ao regressar a casa e pôr a escrita em dia, deparou-se com três notícias significativas:
O músico Bob Geldof afirmou que Angola era dirigida por criminosos. O Engenheiro Mira Amaral veio a terreiro dizer que esta afirmação era um disparate. Ora quem é o músico Bob Geldof? É um cantor de que O Bengalão não gosta por aí além, mas que se tem distinguido, nos últimos anos, pelo apoio que dá a causas humanitárias, um pouco por todo o mundo. O Engenheiro Mira Amaral quem é? É um ex-ministro que se distinguiu, há uns anos, por começar a receber da Caixa Geral de Depósitos, ou seja, de nós todos, uma reforma de 18000€ por mês, por lá ter trabalhado 2 anos, e que se veio somar à pensão que já lhe pagávamos por ele ter sido ministro e vagamente deputado. Na altura da concessão das pensões o Engenheiro Mira Amaral não sofria de doença crónica e ainda não tinha 65 anos. Podia, portanto, trabalhar. O Bengalão confessa que, se mais argumentos não houvesse, teria tendência a acreditar mais na palavra de Geldof, que aliás também ganha bem, com a pequeníssima diferença de que não é O Bengalão que lhe paga.
Mas há mais argumentos. Todas as organizações internacionais são unânimes em afirmar que o regime angolano é dos mais corruptos do mundo. Angola é o país africano com um crescimento mais alto (cerca de 15%) e, no entanto, todos os indicadores mostram que a saúde, a educação, a habitação, as infrastruturas mais necessárias à vida do ser humano normal, a água, os esgotos, estão ao nível dos mais pobres de África. A família Eduardo dos Santos acumulou, ao longo dos anos, uma fortuna incalculável que é hoje gerida por uma das filhas do presidente, cuja única qualidade na vida económica é ser filha de quem é. É esta gente que resolveu abrir um banco em Portugal. Todos os ditadores corruptos africanos têm feito o mesmo: apropriam-se do dinheiro do país e do que vão extorquindo às empresas estrangeiras que com eles negoceiam e colocam-no em segurança no estrangeiro, não vá o diabo tecê-las. Por outro lado, é mais barato, para canalizar o dinheiro da corrupção, dispôr de um banco no estrangeiro do que ter de pagar a intermediários. O principal accionista do novo banco é a moçoila de que atrás se falou. Não sendo capaz de gerir o banco, ou tendo mais que fazer, contratou um criado para o fazer por ela. O criado chama-se Engenheiro Mira Amaral e, como muitas vezes fazem os criados atentos, veneradores e obrigados, defendeu a patroa e, sejamos sérios, também o dinheirinho que ela lhe paga, que se acrescenta ao que nós lhe pagamos. A resposta do Engenheiro Mira Amaral não é uma resposta: é o bolsar de quem, com a carteira cheia e a ética flexível, não quer perder nenhum dos seus privilégios. Angola é dirigida por criminosos. Mas os criminosos têm cúmplices. Muitos deles na Europa, alguns em Portugal.
Entrevistado por um jornal português, o inefável António Borges, disse que o subprime é uma das maiores criações financeiras dos últimos anos. Sabes o que é o subprime, Leitor? Não é muito complicado. Os bancos americanos, que, como todos os bancos, precisam do nosso dinheiro como de pão para a boca, começaram a emprestar dinheiro para comprar casa própria, aceitando como garantia, não o valor actual da casa, mas o valor que ela iria ter no futuro. Quer dizer, o banco apostava na subida contínua do preço das casas e, além disso, apropriava-se de uma pequena margem de manobra que é fundamental para quem pede dinheiro emprestado: a possibilidade de ir subindo na vida, enquanto que o empréstimo, em termos reais, não sobe, e corresponde, assim, a uma parte proporcionalmente cada vez menor do rendimento da família. É evidente que o risco, para o banco era maior, mas os bancos resolveram isso de uma maneira, como direi, habilidosa: venderam uma parte das dívidas, por vezes muito bem escondidas por detrás de pacotes de investimento atraentes, partilhando assim o risco assumido com todo o mundo. Conheces, Leitor, o resultado disto: o mercado da habitação entrou em recessão e o sistema financeiro do mundo entrou em crise. Todos estamos a pagar isso. Mas os grandes bancos e os gestores de investimentos ganharam muito com a manobra. Houve dinheiro teu, Leitor, que nunca compraste um andar em Lisbon (no Dakota do Norte, EUA), nem em Faro (na Carolina do Norte, EUA), e nunca pediste dinheiro a um banco americano, que foi parar ao bolso do Senhor António Borges, que vive desses expedientes. Não surpreende, pois, que o Senhor António Borges considere os subprimes uma maravilhosa invenção. O que se percebe menos é que muitos o considerem como a última esperança do PSD. Ou julgarão que, se António Borges fosse Primeiro Ministro, isto ia ser um bodo aos pobres em subprimes?
O Senhor Vale de Azevedo é um burlão que foi condenado em vários tribunais, por crimes variados. Foi recorrendo até ao Supremo Tribunal de Justiça que, agora, o julgou definitivamente culpado no primeiro desses processos. O burlão foi condenado a sete anos de cadeia. Não os cumprirá, no entanto. Fugiu do país a tempo. Fugiu do país porque o Legislador que nos coube em sorte (se assim se pode dizer) organizou a Justiça de maneira que quem para isso tiver dinheiro pode protelar a decisão final por muitos anos, durante os quais, apesar de ter sido condenado por várias instâncias, é presumido inocente. Fugiu do país porque os Doutos e Meritíssimos Juízes não terão visto que havia um perigo real de fuga e, portanto não houveram po bem aplicar-lhe medidas de coacção. Fugiu do país porque a polícia não considerou necessário vigiá-lo discretamente. Não será preso, portanto. Nem os esbulhados por ele se verão ressarcidos. Se fosse só o Senhor Vale de Azevedo, ainda vá. Mas não é. E a Opinião Pública portuguesa resume a situação da seguinte maneira: quem tem dinheiro pode fazer o que quiser, sem ter de se importar com a Justiça. E isso é algo que põe em causa todo o desenvolvimento do país, mesmo com planos tecnológicos, muito investimento estrangeiro, e muita requalificação da mão de obra portuguesa. Mesmo que o Ingenhêro deixe de fumar.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Contabilista

O Bengalão assistiu, com toda a atenção, à prestação da Contabilista na RTP. O Bengalão, que já tinha ouvido a Senhora dizer que não fazia campanha eleitoral, como é aliás seu pleno direito, esperava que, entrevistada pela televisão, explicasse por que pensava que era melhor do que os outros candidatos para dirigir o PSD. Para isso, seria importante que esclarecesse o que a distinguia deles. Não para os insultar mas para nos dizer, a todos, os que são do PSD e os que não são que, da pluralidade de um partido democrático, é natural que surjam ideias, todas elas inteligentes, todas elas sérias, todas elas respeitáveis, mas todas diferentes umas das outras, sobre os objectivos a atingir e o caminho para lá chegar. Pensava O Bengalão que a Contabilista não quereria que alguém pensasse que ela e o Santana são precisamente o mesmo. O Bengalão enganou-se. A Contabilista, que não fará campanha, escusou-se também a explicar as diferenças. Não é a primeira vez que O Bengalão assiste a estes métodos de fazer política. Ainda há pouco o Sr. Medvedev, na altura candidato à presidência da Federação Russa, fez o mesmo. Nem debate, nem campanha. E ganhou, esmagando os concorrentes. Parece no entanto a O Bengalão que a perspectiva de ver o principal partido da oposição dirigido por uma Medvedeva, que ainda por cima não rejeita o apodo de dama de ferro não augura nada de bom para a democracia portuguesa.
A dificuldade em marcar diferenças foi ainda mais longe. Depois de muito instada pela jornalista a dizer o que a distinguia do Ingenhêro, a Contabilista lá conseguiu lembrar-se de uma "diferença" e balbuciou umas banalidades sobre a importância do Estado. Ora O Bengalão esperava ouvi-la dizer o que mudaria se a Contabilista fosse Primeira-Ministra. Se O Bengalão percebeu bem, a política educativa seria a mesma, a política de saúde a mesma seria, a política de ambiente continuaria, manter-se-ia a política externa, e a de defesa, e a de turismo, e o modelo de desenvolvimento, e o segredo bancário, e a carga fiscal, e o financiamento da investigação, e a habitação, e o ordenamento rural, e a autorização dos OGMs, e continuaria a haver a PSP e a GNR e o F.C. do Porto continuaria a ser campeão de futebol. Tudo na mesma. Com menos Estado, claro. Nisso, a Contabilista é formal e intransigente.

Ainda o acordo

Rosa Brava não está de acordo com O Bengalão. Ainda bem. Se toda a gente estivesse de acordo com O Bengalão, o mundo seria diferente, mas não seria melhor. Mas permita-se a O Bengalão uma palavrinha. É um erro pensar que, se se escrever de forma diferente, de forma diferente se falará. Se se acabasse com os acentos, por exemplo, não se passaria a pronunciar as esdrúxulas como se fossem graves. O facto de eu escrever tenhamos, sem acento, não impede que muita gente diga "tênhamos". O Bengalão acha que se podia perfeitamente utilizar o alfabeto cirílico para escrever Português, sem acentos (na realidade há um acento no alfabeto cirílico, para distinguir o й do и) mas não serve para a mesma coisa. E não é fácil defendermos que este acordo apenas serve os brasileiros. Em Portugal e no Brasil sempre se escreveu da mesma forma até que um Parlamento particularmente ignorante resolveu, em 1911, impôr uma ortografia por decreto. A O Bengalão parece que é melhor que se escreva a mesma língua da mesma maneira, aceitando uma ou outra variante que mostre mais plasticamente variantes dialectais. Se algúem tem de ceder mais na negociação, é lógico que seja quem deu início ao problema. Resta que alguns editores portugueses, não todos, felizmente, têm da concorrência e do risco o mesmo medo que a generalidade dos empresários portugueses. Querem que a sua quintinha, pobre mas honesta, seja protegida do monstro brasileiro. Não nos dizem quanto tempo demorará, se não houver acordo, até que os outros países lusófonos adopem a ortografia brasileira, do Brasil que os trata melhor, que lhes manda mais livros, quase sempre mais professores, mais e melhores programas de televisão, muitíssimo mais programas de computador, expulsando assim os editorzitos portugueses dos seus mercados e pondo-os a mendigar um acordo ortográfico, quando for demasiado tarde? O Bengalão repete que há bons editores em Portugal. O Bengalão confessa que comete de vez em quando o seu sonetozito e que tem um editor que o trata muito bem. O Bengalão não faz a mínima ideia do que ele pensa do acordo, mas tem a certeza de que tem uma opinião inteligente e medo nenhum.

O mais importante, no entanto, é que O Bengalão, como faz sempre que lhe comentam os posts, foi ver a página da Rosa Brava e gostou do que viu. Tem pena que ela tenha decidido deixar de a manter, mas quem é O Bengalão para sobre isso dizer seja o que fôr? Leitor, vai aqui . Vais ver que gostas.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Género

Escreve João Paulo Guerra, no Diário Económico: "Para além do género e do penteado, a única essencial diferença entre José Sócrates e Manuela Ferreira Leite é que um está no poder e a outra esteve".




O Bengalão sabe que JPG, na altura gloriosa do Tempo Zip, não era economista. Mas a economia é maleita contagiosa, um pouco como a poesia, de que Cervantes dizia "soy poeta, que es enfermedad pegadiza". E, assim sendo, JPG é, para todos os efeitos práticos, um economista. O Bengalão protege-se sempre, quando lê JPG, como se deve fazer para evitar contágios. Vinda de quem vem, a prosa de JPG suscita algum espanto e três comentários. O espanto vem do facto de um economista falar de uma diferença essencial. Pois quê? Então os economistas abandonaram a cavacal secura da sua posição hierática para se dedicarem agora à percepção de algo tão volátil como uma essência? Pois não lhes basta já aquilo que, com a subtileza de um rolo compressor, conseguem reduzir à plana beatitude dos números unidimensionais? Essencial, JPG? Que bicho te mordeu, JPG? Estaremos, como diria o Ingenhêro se alguma vez tivesse lido Eduardo Lourenço, perante uma mudança de paradigma? Um economista é um ingénuo que pensa que a economia é uma ciência exacta e que a matemática é outra coisa que uma linguagem. Acham que a matemática é uma mantra que permite achar a verdade. Um economista é um bufarinheiro que dá, de uma passadeira rolante, a seguinte definição: Seja No a cota de partida de uma escada rolante ascendente e N1 a sua cota de chegada. Seja X=N1-N0. Uma passadeira rolante é uma escada rolante ascendente tal que X=0. Essencial, JPG?




Para além do grão espanto, O Bengalão tem três comentários a fazer. O primeiro é que lhe parece abusivo dizer que a juntar à diferença "essencial" que JPG julga ver, haja uma diferença de penteado. O penteado do Ingenhêro e o da Contabilista não são muito diferentes. A O Bengalão parecem até quase idênticos. O Bengalão sabe que há, na cabeça da Contabilista, mais volume do que na do Ingenhêro. Mas os dois penteados são, como direi, essencialmente iguais. O topete da pita gótica que arvora a pluma vertical e negra do cabelo com o mesmo desplante com que exibe o pin no lábio é essencialmente diferente do betão armado do penteado da Dra. Manuela Eanes. O cabelo rapado da enfermeira do Instituto de Oncologia que sente a necessidade visceral de se parecer com os seus doentes é humana e essencialmente diferente do capachinho do Dr. Fernando Gomes. Agora o Ingenhêro e a Contabilista? (Intervalo. Há muitos anos, O Bengalão costumava contar às suas filhas histórias que ia inventando à medida que as contava, mas que começavam sempre por: "Era uma vez um urso e uma tirolesa". O Bengalão promete que há-de contar aos seus netos histórias por medida e que comecem por "Era uma vez um Ingenhêro e uma Contabilista". Ouviram, meninas? Ao trabalho, que se faz tarde!). Penteados diferentes, os do Ingenhêro e o da Contabilista? Ai, JPG, JPG...




O segundo comentário tem a ver com a conclusão, muito portuguesa, de JPG. Para JPG e, sejamos justos, para a maioria dos Portugueses, o poder é um lugar, quase um logo, em que se está. O Governo, o Parlamento e outros orgãos da República deviam estar, não em Lisboa, mas numa lindíssima aldeia perto de Coimbra que se chama Logo de Deus. E perguntar-se-ia assim: Onde está o Ingenhêro? Está no poder. Ou seja, no Logo de Deus. Mas o poder não é um lugar. O poder tem-se. A Contabilista tem poder. O Ingenhêro também. Têm pouco, mas têm. Nenhum deles tem tanto como o Tio Belmiro. E nunca teve. O Durão não tem poder nenhum. O Santana nunca teve. O Pinto da Costa tem mais poder do que o Rui Rio. O pensador Marcello julga que tem poder. O Cardeal Patriarca também. Estar no poder, JPG?


O terceiro comentário é sobre aquilo a que JPG chama a diferença de género entre o Ingenhêro e a Contabilista. Claro que JPG estudou o livro de estilo do politicamente correcto e sabe que é género que se diz, não é sexo. Mas O Bengalão, que não tem que respeitar essas regras espúrias, permite-se algumas observações sensatas. Queiram ou não queiram os Grandes Inspectores (e Grandes Inspectoras, claro) da correcção política, o Ingenhêro e a Contabilista são de sexos diferentes. Se são de géneros distintos ou não está sujeito a discussão. Antes que se pense que O Bengalão é um machista inveterado, que não entende a subtileza da distinção entre género e sexo, declara desde já O Bengalão que tem lido os seus Autores, percebe bem a diferença e está de acordo com a necessidade de designar de maneira desigual o sexo biológico e o sexo social. O Bengalão leu o Deuxième Sexe, e acha que essa distinção, aí inaugurada (em 1949!!!), é um avanço muito importante na civilização humana. O problema não é esse. Trata-se apenas de um problema de designação. Na sequência do conceito de Simone de Beauvoir, sociólogas e feministas americanas propuseram, para traduzi-lo, a palavra inglesa gender. A palavra gender, para um anglófono, é uma boa escolha. Em Inglês, gender significava, antes do fim da década de 1950, quando, pela primeira vez, a palavra foi usada para traduzir o conceito beauvoiriano, duas coisas: tipo e, mais restritivamente, o que, em Português, se designa por género gramatical. O Bengalão, que não perde uma oportunidade de mostrar os seus conhecimentos (La culture est comme la confiture: moins on en a, plus on l'étale), acrescenta que gender já significou sexo, tendo sido ainda usada, até ao princípio do século XX, nesse sentido, em tom irónico, e, até ao século XVII, significava mesmo prole. Ora, com o uso de gender, expurgava-se o conceito de conotações biológicas, ilustrando a diferença em relação a sex, usando um termo muito abrangente e, portanto, neutro e, além disso, acentuava-se o carácter convencional (como são todos os conceitos gramaticais), ou seja, não natural, da designação. É evidente, para quem não seja Licenciado pela Universidade Independente, que a escolha é boa em Inglês, e em qualquer língua que cumpra duas condições: primeiro, que tenha dois géneros totalmente, ou quase totalmente, coincidentes com os sexos; segundo, que a palavra que designa o que em Inglês se chama gender, não tenha outros significados que prejudiquem a adequação ao conceito. Quanto à primeira condição, o Inglês cumpre-a quase perfeitamente. Tem três géneros, o neutro para quase tudo e o masculino e o feminino, paralelos, com algumas notáveis excepções (navios e países, por exemplo, que são ambos femininos), aos dois sexos tradicionais (O Bengalão diz tradicionais para se precaver de alguma reacção menos gandhiana de algumas pessoas). Quanto à segunda, o cumprimento é evidente.
O problema é que há poucas línguas que tenham a mesma distribuição de géneros do Inglês. O Bengalão não conhece nenhuma. Em Português, se é verdade que o sexo feminino é do género feminino e o masculino do masculino, é também verdade que a ausência do género neutro (pelo menos nos substantivos, diz O Bengalão, que é um snob, quando fala de gramática) impede o paralelismo entre género e sexo. Em Alemão, que tem neutro, uma das palavras que quer dizer mulher é neutra, mesa é masculino e quadro feminino. Em Finlandês não há género (O Bengalão não tem experiência pessoal que lhe garanta que há sexo, mas deve haver) e, nalgumas línguas bantu, há vinte géneros, nenhum dos quais tem a ver com sexo. A segunda condição é ainda mais problemática. A palavra género, em Português, além de significar o que gender quer hoje dizer em Inglês, significa também o que em Inglês se designa por genus, ou seja, o taxon que, hierarquicamente, está acima da espécie. Diz-se assim que a espécie Rosa foetida (existe mesmo e cheira mesmo mal) pertence à secção pimpinellifoliae do subgénero eurosa do género rosa. Em Português, assim, a palavra género não serve para traduzir o conceito que aqui está em causa. O Bengalão espera que as feministas portuguesas imaginem a palavra certa. Seria pena que as mulheres, que, durante milénios foram tratadas como se pertencessem a uma espécie diferente da dos homens, defendessem agora que nem ao mesmo género pertencem.

sábado, 26 de abril de 2008

Cravos

Confessa O Bengalão que nunca percebeu muito bem o que é que o CDS e o PSD têm contra os cravos. Na sessão solene da Assembleia da República, para comemorar o 25 de Abril, os deputados do PS, do PCP (incluindo Os Verdes) e do BE lá estavam de cravo ao peito. Os do CDS e do PSD não tinham cravo. O Presidente da AR, sempre atento às finuras institucionais, veio receber o Presidente da República sem cravo e pô-lo quando entrou no Hemiciclo. Os cravos que, no mundo todo, simbolizam a revolução democrática portuguesa são, em Portugal, conotados com aquilo a que, por comodidade, ainda se chama a esquerda. O Bengalão teve a oportunidade de estar, há alguns anos, no Chile, no dia 25 de Abril. De manhã, levantou-se e foi comprar um ramo de cravos vermelhos. Todos os participantes da conferência em que estava O Bengalão, nenhum dos quais era português, reconheceram o símbolo, pediram um cravo e deram os parabéns a O Bengalão. E havia gente de todos os quadrantes políticos. Por que será, então que, em Portugal, os cravos são considerados, pela Direita, um símbolo de Esquerda? O Bengalão percebe que a Direita não tenha gostado de tudo o que se passou depois do 25 de Abril. Mas que recuse a revolução em si, a que instaurou a democracia, essa, não se percebe. Afinal, sem o 25 de Abril, a maioria dos deputados do PSD e do CDS estariam hoje a viver a apagadíssima tristeza a que os condena a sua gritante mediocridade. Seriam caixeiros viajantes, informadores da PIDE, empregadotes mais ou menos funcionalizados, ou qualquer das coisas que as pessoas eram quando não havia eleições. Alguns nem ricos seriam, se não fosse o 25 de Abril.
A Madeira, mais uma vez, vestiu-se de Rei Momo para ir mais longe ainda. Na Madeira, por decisão do Soba, não houve comemorações oficiais. Esquecerão os madeirenses, mais ilhéus do que os cubanos, que, sem o 25 de Abril, autonomia viste-a, o Jardim estaria ainda a escrever na imprensa local louvaminhas bajulatórias ao ditador que estivesse no poder, o Ramos a vender sanitas, os corajosíssimos independentistas a dar vivas a Portugal Eterno, e os dignatários do PSD a terem de fazer contas à vida para pagar a renda de casa.
De onde vem, então, esta alergia aos cravos? O cravo é uma flor bonita e, quando é vermelho, tem as cores da bandeira nacional. Tem tudo, assim, para ser consensual. Por que não é, então?
Os ensinamentos vêm de onde menos se espera. Pois não é, Leitor, que foi a demissão do Luís Filipe que abriu a O Bengalão as portas de Damasco? (Aconselham-se os Licenciados pela Universidade Independente a irem ver à Wickipédia o verbete "S. Paulo". Deve lá estar. Se não encontrarem, peçam à vossa mulher a dias ucraniana que vos explique. Ela sabe.)
A RTP resolveu convidar uma pequeníssima parte dos candidatos aos sapatos do Luís Filipe para debaterem o momentoso tema do futuro do PSD. Durante o debate, houve algo em que todos estiveram de acordo. Quando fôr Governo, o PSD fará exactamente o que está a fazer o PS mas, ao contrário deste, fá-lo-á bem. Entendeste bem, Leitor. Disse-o o Ângelo, disseram-no todos: o problema do País não é o que o PS está a fazer, não, o PSD faria o mesmo. O problema é que o PS o faz mal. E o PSD, quando estiver no Governo, fá-lo-á bem, nem que seja o Santana a ganhar as eleições. O Bengalão abstem-se de comentar esta assunção. Dirá apenas que a fé move montanhas. E que é precisa muitíssima fé para acreditar que o Santana fará seja o que fôr bem.
Quando O Bengalão ouviu isto, de repente fez-se luz. E lembrou-se O Bengalão de já ouviu isto muitas vezes. Queres exemplos, Leitor? A descolonização, por exemplo. A Direita nunca diz que é contra a descolonização. Não. Mas não a faria assim. Como a faria não diz. Mas não a faria assim. O aborto, para mudar de tema. A Direita diz que não faria a lei da despenalização assim. Só não diz que pena tremenda, que castigo inaudito aplicaria à mulher que abortasse. A Constituição. A Direita não faria a Constituição assim. Que Constituição faria a Direita, não diz. Mas assim não.
Sobre a Democracia, a Direita pensa exactamente o mesmo. Se fosse a Direita a fazer a Revolução, não a faria assim. Como a faria, não se sabe. Mas, porque a não faria assim, recusa-lhe o símbolo mais inocente.
Ora talvez fosse bom que o PSD aproveitasse para eleger um leader que, por uma vez, nos explicasse o que faria, se... Nem que para isso tivessem de escolher para símbolo da Revolução que ele faria outra flor qualquer. O Bengalão propõe-lhe a flor do cardo. Quando o Santana perdesse as eleições, sempre podiam fazer queijo da serra.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Accordo orthographico

Há mais de dez annos, Portugal rubricou um accordo orthographico com outros paízes de lingoa portugueza. Parece que agora muyta gente que andava distraída despertou e vem dizer que he contra o accordo. O Bengalão confessa que ouviu argumentos surpreendentes. Um conceituado escriptor da nossa praça diz, por exemplo, que milhares de livros vão ficar desactualizados nas nossas bybliotecas. Ora O Bengalão, que possue alguns livros anteriores ao accordo de 1945 e continua a le-los, que possue mesmo um ou outro livro anterior à reforma orthographica unilateral de 1911 e lhes deita, de quando em vez, um olhar enternecido, O Bengalão, cuja byblioteca em alemão data, quasi toda, de antes da reforma orthographica, sem que O Bengalão deixe de ler o seu Mann e o seu Kunnert, confessa não compreender a objecção. A orthographia não he mais que uma convenção. O Bengalão, que he fino, he capaz de viver com mais de uma convenção ao mesmo tempo. Vae escrever, como he claro, como o Governo da Reppublica lhe mandar e a sua memoria lhe permitir. Mas não lhe parece difficil ler com mais de um conjunto de regras. Não colhe, portanto, o argumento.
He claro que O Bengalão compreende que se possa ser contra o accordo por principio. Ser contra todos os accordos. Puxar da pistola assim que se ouve falar de accordo. He por isso que O Bengalão, por solidariedade com estes homens de principios, escreveu assim este texto. Como se a reforma orthographica de 1911 não tivesse existido. E divertiu-se.