sábado, 20 de setembro de 2008

Tsvangirai

O Bengalão esteve em África. E O Bengalão tem sempre uma enorme dificuldade em explicar o que sente quando vai a África. Tendo um visceral horror ao kitsch, talvez porque tem medo do que lhe aconteceria se não tivesse quem lhe disciplinasse as escolhas, O Bengalão sente-se sempre, quando fala de África, como se estivesse a realizar um filme cujo guião fosse uma mistura de Out of Africa e Motorbike diaries. Por vezes os seus interlocutores pensam que os olhos perdidos no longe com que O Bengalão fala de África denotam saudades de ocasos em que o mar se afoga em cor de laranja, mas não. Os olhos do Bengalão estão longe por vergonha. Vergonha de reduzir a África a uma mistela de lugares comuns, postais ilustrados e frases feitas de militantes dos povos que acham muito mal a miséria sem nunca terem visto um pobre.

O Bengalão nunca viveu em África. Sempre que lá foi, com uma pequena excepção em que foi turista por duas semanas, foi trabalhar. Mas, mesmo a trabalhar, não é possível esquecer as cores da África, e os cheiros da África, e os sorrisos dos meninos da África, e as ancas navegadoras da África, e os músculos poderosos da África, e os sons da África, e as gargalhadas da África. Não é possível esquecer o que a África poderia ser.

Também não é possível esquecer o que a África é. As incalculáveis fortunas que roubaram os ditadores da África e os seus cúmplices no resto do mundo. Os milhões de mortos causados por esses crimes. A cara deles, dos tiranos e dos seus capangas, a beberem champagne e whisky nos salões de hoteis de luxo, como se fossem pessoas civilizadas, como se não fossem, uns e outros, responsáveis por um autêntico crime de genocídio que está, há muitas décadas, a assassinar a África.

Os cancros da África têm nomes. Chamam-se corrupção, má governação, analfabetismo, amoralidade. Os responsáveis são vários. Africanos uns, que roubam, que esbulham, que tiranizam. Ocidentais outros, que corrompem, que recebem, que protegem. E todos nós, que fechamos os olhos. E que aceitamos que uma senhora, que nunca teve nada de seu, seja agora, de repente, chefe e grande accionista da maior empresa de Angola, que, por sua vez, é grande accionista de uma série de empresas estratégicas portuguesas.

Por vezes, na sombria história dos crimes dos ditadores, há um que, pelos seus excessos, pela sua crueza, pelo seu despudor, chama sobre si a atenção dos Europoeus bem intencionados. Desde há uns anos, esse protagonismo tem vindo a ser do Padrinho do Zimbabwe. (O Bengalão recusa-se a usar uma palavra respeitável como Presidente para qualificar a personagem). Entendamo-nos, Letor, Mugabe não é, certamente, o pior dos ditadores que a África conheceu, nem sequer dos que a África conhece hoje. O Ngwenyama da Suazilândia comprou recentemente 7 Cadillacs para transportar para a festa do seu casamento todas as suas outras esposas, gastando, na festa, mais do que num ano o país gasta na luta contra o HIV. Mas não tirou terras a Ingleses, é um facto. Mugabe tirou e, por isso, conhecêmo-lo melhor. Este cinismo não deve esconder de nós o facto principal: Mugabe é um criminoso, que ocupa ilegitimamente o poder num país cuja maioria o não quer e que usa, para proveito próprio, os escassos recursos do Zimbabwe.

No Zimbabwe, recentemente, acendeu-se uma luz de esperança. A Oposição uniu-se sob a direcção de um lider, Tsvangirai, para disputar a eleições. Todos os observadores acharam que Tsvangirai tinha possibilidades de ganhar. O que se seguiu foi terrível. Militantes presos e assassinados, Tsvangirai preso, torturado e expatriado. Mesmo assim, as urnas deram a vitória à oposição. Mugabe fez o que têm feito os ditadores desde que há eleições: falsificou os resultados. E Tsvangirai, temendo pela própria vida, declarou não reconhecer a vitória de Mugabe e refugiou-se no estrangeiro.

O Bengalão recorda-te, Leitor, o que costuma acontecer em África em situações destas. Os dois adversários contam as espingardas, isto é, o número de apoiantes, internos e externos, de que dispõem, fazem contas à vida, e chegam a um acordo de partilha de poder e riquezas. Assim se fez em Angola, por exemplo. Assim se fazia em Chicago, no tempo de Al Capone. E tudo sob o olhar gordo e benevolente da chamada comunidade internacional. Ora isto é o contrário da democracia. Por muito que o não queiram os donos das certezas, a democracia é o confronto, não é o consenso. O que a democracia faz é desviar o confronto do terreno das armas para o terreno das ideias. A procura sistemática do consenso por um lado, é uma estupidez e, por outro, mantem o confronto no terreno das armas. Disto sofre a África há décadas.

O Bengalão teve esperança de que, desta vez, Tsvangirai escolhesse o caminho difícil da oposição longa e amarga do exílio, que, a prazo, poderia ser um contributo para a democratização do país. Não o fez. Em vez disso, fez um acordo de partilha do poder e sabe-se lá mais de quê com o torcionário que o manteve preso, com o assassino dos seus camaradas de luta. Não é difícil prever que, daqui a uns anos, Tsvangirai pode preparar-se para suceder a Mugabe, que é mais velho.

Nada disto é novo. Tem acontecido sistematicamente em África. Sabes então, Leitor, por que fala O Bengalão em mais uma partilha de território e negócio? Pois porque o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal se apressou a saudar o acordo, como se de um avanço importante se tratasse. Princípios, direitos, democracia, que importa isto à impante suficiência de um funcionariozito, promovido, para premiar a sua fidelidade, à laureada condição de Ministro?


1 comentário:

Anónimo disse...

Cuidado, Bengalão!
A filha de JES pode vir a implantar em Portugal os métodos que usa para controlar Angola. Já estiveram mais longe e têm muitos compinchas aqui.