sábado, 26 de abril de 2008

Cravos

Confessa O Bengalão que nunca percebeu muito bem o que é que o CDS e o PSD têm contra os cravos. Na sessão solene da Assembleia da República, para comemorar o 25 de Abril, os deputados do PS, do PCP (incluindo Os Verdes) e do BE lá estavam de cravo ao peito. Os do CDS e do PSD não tinham cravo. O Presidente da AR, sempre atento às finuras institucionais, veio receber o Presidente da República sem cravo e pô-lo quando entrou no Hemiciclo. Os cravos que, no mundo todo, simbolizam a revolução democrática portuguesa são, em Portugal, conotados com aquilo a que, por comodidade, ainda se chama a esquerda. O Bengalão teve a oportunidade de estar, há alguns anos, no Chile, no dia 25 de Abril. De manhã, levantou-se e foi comprar um ramo de cravos vermelhos. Todos os participantes da conferência em que estava O Bengalão, nenhum dos quais era português, reconheceram o símbolo, pediram um cravo e deram os parabéns a O Bengalão. E havia gente de todos os quadrantes políticos. Por que será, então que, em Portugal, os cravos são considerados, pela Direita, um símbolo de Esquerda? O Bengalão percebe que a Direita não tenha gostado de tudo o que se passou depois do 25 de Abril. Mas que recuse a revolução em si, a que instaurou a democracia, essa, não se percebe. Afinal, sem o 25 de Abril, a maioria dos deputados do PSD e do CDS estariam hoje a viver a apagadíssima tristeza a que os condena a sua gritante mediocridade. Seriam caixeiros viajantes, informadores da PIDE, empregadotes mais ou menos funcionalizados, ou qualquer das coisas que as pessoas eram quando não havia eleições. Alguns nem ricos seriam, se não fosse o 25 de Abril.
A Madeira, mais uma vez, vestiu-se de Rei Momo para ir mais longe ainda. Na Madeira, por decisão do Soba, não houve comemorações oficiais. Esquecerão os madeirenses, mais ilhéus do que os cubanos, que, sem o 25 de Abril, autonomia viste-a, o Jardim estaria ainda a escrever na imprensa local louvaminhas bajulatórias ao ditador que estivesse no poder, o Ramos a vender sanitas, os corajosíssimos independentistas a dar vivas a Portugal Eterno, e os dignatários do PSD a terem de fazer contas à vida para pagar a renda de casa.
De onde vem, então, esta alergia aos cravos? O cravo é uma flor bonita e, quando é vermelho, tem as cores da bandeira nacional. Tem tudo, assim, para ser consensual. Por que não é, então?
Os ensinamentos vêm de onde menos se espera. Pois não é, Leitor, que foi a demissão do Luís Filipe que abriu a O Bengalão as portas de Damasco? (Aconselham-se os Licenciados pela Universidade Independente a irem ver à Wickipédia o verbete "S. Paulo". Deve lá estar. Se não encontrarem, peçam à vossa mulher a dias ucraniana que vos explique. Ela sabe.)
A RTP resolveu convidar uma pequeníssima parte dos candidatos aos sapatos do Luís Filipe para debaterem o momentoso tema do futuro do PSD. Durante o debate, houve algo em que todos estiveram de acordo. Quando fôr Governo, o PSD fará exactamente o que está a fazer o PS mas, ao contrário deste, fá-lo-á bem. Entendeste bem, Leitor. Disse-o o Ângelo, disseram-no todos: o problema do País não é o que o PS está a fazer, não, o PSD faria o mesmo. O problema é que o PS o faz mal. E o PSD, quando estiver no Governo, fá-lo-á bem, nem que seja o Santana a ganhar as eleições. O Bengalão abstem-se de comentar esta assunção. Dirá apenas que a fé move montanhas. E que é precisa muitíssima fé para acreditar que o Santana fará seja o que fôr bem.
Quando O Bengalão ouviu isto, de repente fez-se luz. E lembrou-se O Bengalão de já ouviu isto muitas vezes. Queres exemplos, Leitor? A descolonização, por exemplo. A Direita nunca diz que é contra a descolonização. Não. Mas não a faria assim. Como a faria não diz. Mas não a faria assim. O aborto, para mudar de tema. A Direita diz que não faria a lei da despenalização assim. Só não diz que pena tremenda, que castigo inaudito aplicaria à mulher que abortasse. A Constituição. A Direita não faria a Constituição assim. Que Constituição faria a Direita, não diz. Mas assim não.
Sobre a Democracia, a Direita pensa exactamente o mesmo. Se fosse a Direita a fazer a Revolução, não a faria assim. Como a faria, não se sabe. Mas, porque a não faria assim, recusa-lhe o símbolo mais inocente.
Ora talvez fosse bom que o PSD aproveitasse para eleger um leader que, por uma vez, nos explicasse o que faria, se... Nem que para isso tivessem de escolher para símbolo da Revolução que ele faria outra flor qualquer. O Bengalão propõe-lhe a flor do cardo. Quando o Santana perdesse as eleições, sempre podiam fazer queijo da serra.

3 comentários:

Anónimo disse...

Vais gostar de saber que no dia 24na minha escola situada no Alentejo, os meus alunos do 12ºano e eu recebemos os restantes elementos da comunidade educativa com cravos vermelhos, enrolados em papeís coloridos onde se podiam ler poemas alusivos. Foi uma festa mas houve quem recusasse...

com senso disse...

Concordo com as suas observações. É a primeira vez que visito este blog e verifico, sem surpresa, que há nesta sociedade civil quem tenha um pensamento mais consistente, culto e lúcido que a maioria dos nossos representantes parlamentares.
Penso, que talvez paradoxalmente, acabe por ser essa uma das vitórias, do 25 de Abril: Termos uma classe política à imagem e semelhança do nosso pequeno país atrasado!!! Ou, em linguagem mais prosaica, termos aquilo que merecemos!
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Justine disse...

Passei por aqui recomendada, e valeu a pena! Que bela prosa, que me fez rir dizendo importantes verdades. O humor é sempre subversivo e libertador.Não só pelo sonho, pelo riso também lá vamos :))