quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Fábulas

O Bengalão gosta muito de histórias. Conta-se na Beira que um homem, mais dotado pela natureza para sacrificar a Baco que para prover uma casa de todos os precisos, chegou um dia a casa mais para lá do que para cá. Foi à arca do pão e encontrou-a vazia. Oh mulher dum raio, que é do pão? Então tu tens a masseira, tens a peneira, e não fazes pão? Oh homem, pois se não temos farinha... E ela a dar-lhe com a farinha. Tens a peneira, tens a masseira... Oh homem, mas não tenho farinha! E a porca a dar-lhe com a farinha...
Ora a que propósito vem esta história? Será que o Bengalão, que se quer granítico de bom senso, terá perdido a memória RAM? Pois não, Leitor. O Bengalão aqui está, quase sensaborão. Vem esta história a propósito do côro de virgens pudibundas que uma vez mais se ergueu quando o Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados repetiu o que já tinha dito: que Portugal, desde as mais altas esferas do poder, está minado pela corrupção. E que dizem elas, as pudicas? Pois dizem: E a porca (com licença de Vossa Senhoria) a dar-lhe com a farinha... Ou seja, se faz acusações, apresente provas. E bem pode o Senhor Bastonário dizer que não tem farinha, ou seja, que que não está a fazer acusações, está apenas a constatar o que todos sabem.
Para que ninguém possa acusar o Bengalão de atacar sempre os mesmos, dois exemplos simples, passado sobre eles o tempo suficiente para os olharmos desapaixonadamente.
Em Agosto de 2005, o Presidente do Tribunal Constitucional era conduzido pelo seu motorista, a 200 km por hora, na autoestrada, a 28 km de Lisboa e em direcção à capital. Era meio dia e oito minutos. A GNR constatou a infracção e não agiu. Segundo o responsável da GNR, não agiu por uma questão de simples bom senso.
Interrogado pelos jornalistas, a primeira reacção se Sua Excelência foi torpe: disse que era o motorista, e não ele, que conduzia. Não há outra palavra. Descarregar a responsabilidade própria (mesmo moral) para um subordinado é uma torpeza. A segunda reacção de Sua Excelência foi dizer que estava com pressa, porque tinha uma reunião importante em Lisboa.
Ora Sua Excelência era Guardião da Constituição da República. Não ignorava Sua Excelência que, sendo todos os cidadãos iguais perante a Lei, estava a dizer que nós, quando temos uma reunião importante em Lisboa, podemos guiar a 200 km/h.
Acresce que a tal reunião começava às 15 horas. Ou seja, que podia ser verdade que Sua Excelência tinha pressa, mas também é verdade que Sua Excelência mentiu.
Que disse a isto o Conselho Superior da Magistratura? Que disse a isto o Sindicato dos Magistrados? Nada. Entraram mudos e sairam calados.
Outro caso. Em 17 de Fevereiro de 2006, o Presidente do Supremo Tribunal Administrativo nomeou, por indicação do Vice-Presidente do mesmo Tribunal e para o cargo de secretário pessoal deste, o sobrinho do dito Vice-Presidente. O mancebo tinha 25 anos e era (e continuou a ser até ao fim desse ano lectivo) estudante pós-graduado da Faculdade de Direito da Universidade (do Porto!!!!).
Entendamo-nos. A nomeação é perfeitamente legal. O jovem tinha de certeza qualidades. Até era jogador de xadrez, aliás de algum nível. E tinha tentado, sem êxito, obter um lugar de deputado nas eleições do ano anterior (para se ver que o Bengalão não zurze só o Arco da Governação, diga-se desde já que o mocetão foi candidato do Bloco de Esquerda). A questão não é essa. Longe do Bengalão (Vade retro, S. Tomás, como diz o Ingenhêro que já na catequese tinha da assiduidade a mesma ideia vaga que havia de o tornar famoso na Universidade Independente). Mas não sendo possível que um jovem sem experiência profissional fosse, indubitavelmente, o mais competente dos possíveis nomeados, segue-se que teria sido prudente pesar outros valores. A Justiça não pode apenas ser séria. Tem também de o parecer. E não parecem sérios, aqueles dois nomes de família iguais, lado a lado, no Diário da República. Os superiores interesses da Justiça teriam recomendado outra prudência. Sua Excelência Meritíssima não foi assim prudente e não sopesou convenientemente os dois interesses em conflito. O problema é que essas são as duas qualidades essenciais de um Juiz. E Sua Excelência Meritíssima não se demitiu.
E o Conselho Superior da Magistratura nada disse. E o Sindicato dos Magistrados disse nada.
E a porca a dar-lhe com a farinha? Ora! Bengaladas!!!

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