domingo, 27 de janeiro de 2008

LEGOS

O Bengalão admite que é preguiçoso. Estava o Bengalão, que, confesse-se com coragem, já atingiu a idade das dignidades abaciais, a meditar sobre a melhor maneira de te dizer, caríssimo Leitor, o que pensa sobre o tabaco a a ASAE, quando rebenta o escândalo. O Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados resolve dizer o que toda a gente sabe. Como se sabe, o crime mais grave em Portugal é exactamente este, o de dizer o que toda a gente sabe, é mesmo o único crime, dos que não envolvem sangue, que é punido. Ora o que disse o Senhor Bastonário? Pois disse que, em Portugal, há uma promiscuidade entre negócios e política que fazem com que a corrupção seja endémica. O Bengalão acrescenta aos negócios e à política a comunicação social. Não acreditas, Leitor? A tua ingenuidade comove-me. É ou não é verdade que os DOIS últimos primeiros ministros que houve em Portugal, antes de o serem, eram comentadores políticos numa estação de TV? É ou não verdade que quem nós vemos a comentar a realidade política são pessoas profundamente comprometidas com os partidos políticos? O Bengalão acrescenta ainda as Universidades privadas e os politécnicos, mesmo públicos. Estará o Bengalão a exagerar? Faz um exercício, Leitor, e vai à internet ver a lista de pessoas que, nos últimos anos, ocuparam cargos na gestão de Universidades privadas em Portugal. Anda, vai ver. O resultado mostra que todos eles têm um interesse objectivo em fazer duas coisas: descredibilizar o ensino público e calar a lama que é o ensino superior privado em Portugal. (O Senhor Cardeal Patriarca, paciente e generoso como é, perdoar-me-á que só depois de dito isto reconheça a qualidade da Universidade Católica). Interesse objectivo, disse eu. Quero dizer, têm dinheiro a ganhar com isso.
Estávamos a falar do Senhor Bastonário do Ordem dos Advogados, que falou, e bem, em promiscuidade. Lamentavelmente, esqueceu-se de uma das mais evidentes. Cerca de 20% dos Deputados da Nação (pobre Nação!) são Advogados. Não, caro Leitor, não são juristas, são, e exercem, Advogados. Quer dizer, um sujeitinho pode estar, de manhã, a procurar fazer aprovar na Assembleia da República uma Lei, no uso do seu mandato popular, para, à tarde, no seu escritório a invocar, no uso do seu mandato fiduciário. É tão simples como isto.
Claro que a intervenção do Senhor Bastonário provocou o habitual côro de virgens ofendidas. Todos eles, o Ingenhêro, o Luís Filipe, o Paulinho (o Bengalão aproveita para esclarecer que se limitou aqui, por óbvias razões de espaço, àquilo a que o PP, em bicos de Ppés, costuma chamar, com piada, o Arco da Governação, nome bonito, sólido, de bairro antigo, então onde mora, moro na Rua do Arco da Governação, nº3, 2º andar direito, digam-me lá se não cheira logo a mangerico?). Todos eles assumiram uma pose de Estado (já viste o Paulinho a assumir pose de Estado? Vê bem, vale a pena, faz cara de mau, que o Estado é uma coisa séria, mas, não sei por quê, fica com cara de Cantinflas) e disseram mais ou menos isto: Ai ele acusa? Então que prove. Leitor, se estiveres distraído, até podes pensar que eles têm alguma razão. Mas o Bengalão, que os conhece de ginjeira, vê mais longe. É claro que, quando alguém acusa outra pessoa de ter ido contra a Lei, deve prová-lo. Mas não é disso que se trata aqui. Aquilo de que se trata é que há milhares de casos em Portugal em que gente ligada ao poder ganhou dinheiro e posições, de uma forma perfeitamente legal, mas absolutamente imoral. O Homem das Estradas, que, enquanto ministro, deu uma concessão bilionária a uma empresa e, quando deixou de o ser, passou a Presidente da mesma empresa (dir-me-ão que ele era ultracompetente naquela matéria e por isso foi contratado, mas nem isso. Era ele o Ministro responsável das estradas quando foi construido o IP5, com dinheiro da CEE. Ele deve ter sido a única pessoa em Portugal que não percebeu que, dado o previsível aumento de tráfego decorrente da adesão, se devia construir uma auto-estrada. O resultado foi que, uns anos depois, foi preciso fazê-la, deitando fora mais uns milhões de contos) pode ter cumprido escrupulosamente a Lei, mas isso não faz dele um homem de bem. O que está aqui em causa, portanto, não é se houve ou não crimes, embora também isso seja importante, mas se os Senhores Legisladores fazem bem o seu trabalho, ou até, horribile visu, como diria o Ingenhêro em Latim se tivesse estudado numa boa escola inglesa, se legislam assim exactamente para permitirem quer estes casos se passem. O Bengalão tenciona escrever mais sobre o assunto. Para isso, é necessário sabermos antes quem faz as Leis. Não, não é só a AR. É também o Parlamento Europeu, os Ministros no Conselho da UE, o próprio Governo, responsável pela maioria das iniciativas legislativas em Portugal e pela respectiva regulamentação. Dirás tu, Leitor: é a classe política. Mas achas mesmo, caro Leitor? Classe? Quem? O Ingenhêro? O Luís Filipe? O Paulinho? Não, Leitor. Mas Legisladores é grande demais. Por isso, propônho-te uma forma abreviada: LEGOS. São manerinhos, estão ligados à construção civil, são versáteis e, no fundo, são todos iguais.

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