domingo, 11 de maio de 2008

Futebol

Atenção, Leitor, muita atenção. Para edificação dos Povos e espanto das Nações, O Bengalão vai falar de futebol. Saberás, Leitor, não podes deixar de saber, se não tens passado os últimos meses escondido no fundo do poço da Quinta da Regaleira, a meditar na Glória do Grande Arquitecto do Universo, que a Justiça Portuguesa pensa que há fortes indícios de que dirigentes de alguns clubes de futebol tenham, entre outros mimos, corrompido e coagido árbitros, falsificado documentos, alterado, sistematicamente, classificações e nomeações de árbitros. A Comissão Disciplinar da Liga de Futebol pensa o mesmo. Três clubes de futebol, alguns dirigentes e árbitros foram disciplinarmente condenados por quem, em nome do Estado, exerce o poder disciplinar no futebol. Os condenados têm direito a recurso para um orgão presidido por um subordinado de um dos arguidos e dirigente de um dos clubes suspeitos.
Assim que se soube da decisão, alguns senhores que há uns anos compraram uns óculos de aros finos e passam, por isso, por intelectuais, apressaram-se a declarar que as condenações eram um ataque do centralismo ao Norte do País, escamoteando o facto de que um dos três condenados ser um clube de Leiria, que só com muito esforço pode ser considerada uma cidade do Norte. O Bengalão não liga muita importância a estas baboseiras, de tal modo está habituado a ouvir alguns demagogos do Norte a gritarem, escandalizados, de cada vez que alguém ousa uma crítica, mínima que seja, à Invicta.
Mas O Bengalão leu, com surpresa, o que escreveu António Barreto. Ora António Barreto é um homem que O Bengalão respeita. Que Miguel Sousa Tavares, que vê o mundo a preto e branco, embora tenha cara de quem a vê a preto e preto, escreva as inanidades a que há anos nos habitua deixa O Bengalão mais granítico que a Sé da Invicta. Que Manuel Serrão, de cada vez que alguém, um investidor, um artista, um professor, escolhe Lisboa para as suas actividades
espume de raiva e grite contra a descriminação de que está a ser vítima o Norte, deixa O Bengalão mais marmóreo do que as lápides do Instituto do Vinho do Porto. Mas tu, Barreto? Tu quoque, Antonie?
O que disse então António Barreto? Disse isto: "Não é admissível que um clube do Norte provinciano exerça uma hegemonia quase sem falhas. O Porto haveria de pagar." Esta afirmação, vinda de quem vem, é particularmente grave. Comece por se notar que Barreto, de uma forma desonesta a que nos não tinha habituado, escamoteia o tratamento dado ao Leiria e faz um amálgama inaceitável entre Norte e Porto. Como se dissesse "O Norte é o Porto. O resto é paisagem". Note-se de seguida que Barreto diz claramente que os processos são consciente e voluntariamente destinados, não a apurar se é ou não verdade que alguns indivíduos feriram, com o seu comportamento criminoso, a honra de uma cidade que se orgulha do epíteto de "Sempre Leal", mas a fazer o Porto pagar a ousadia. O que não diz Barreto (neste tipo de cobardias há sempre algo de essencial que se esconde) é quem está por detrás da cabala.
Ajudemo-lo, então. Duas hipóteses se põem: A Justiça Portuguesa ou a Liga de Clubes. A Liga de Clubes tem nomes, tem rostos. Se esta hipótese é verdadeira, então devemos ver quem é responsável da LC. E basta, Leitor, vermos a constituição dos orgãos dirigentes da prestimosa instituição para tirarmos algumas conclusões. Comecemos pela Assembleia Geral da Liga. É constituida por quatro pessoas. Destas, três são do Porto e uma de Setubal. Das três que são do Porto, duas são arguidas no processo judicial e a outra, um funcionário do Tribunal onde correm os autos, é arguido num outro processo por difamação de um magistrado. Nem Barreto seria capaz de convencer-nos de que são estas impolutas criaturas que movem tão encarniçada perseguição. Será a Direcção, então. Vejamos: a Direcção da LC é constituida por um Presidente, de Oliveira de Azemeis, e doze clubes, entre efectivos e suplentes. Destes, cinco são do Porto, um de Aveiro, um de Vila Real, um de Braga. Os outros quatro são um de Leiria (arguido no processo), um de Setubal, um de Lisboa e um do Funchal. Nem Sousa Tavares seria capaz de nos explicar como é que estas sapientíssimas personagens embarcam em tão injusta cabala. Acrescentemos que a Liga tem ainda uma Directora Executiva, que é do Porto (aliás, irmã de dois ex-jogadores dos Dragões). Finalmente, a Comissão disciplinar. Dos cinco membros, todos juristas, que a constituem, pelo menos quatro estão, pessoal e profissionalmente, ligados ao Porto. Alguem acredita que são estes os homens de mão da besta do centralismo?
Segue-se que Barreto, ao afirmar o que afirmou, está a acusar a Justiça Portuguesa de ter perdido a sua independência para se bandear com os perigosíssimos centralizadores que querem esbulhar o Porto das inúmeras façanhas que a cidade faria, se a deixassem. Só não faz porque a não deixam. Ai, se a deixassem...
É esta a visão que Barreto tem da Justiça portuguesa. É esta a visão que tem Barreto da mui nobre Cidade do Porto. Se o não diz claramente, é porque lhe falta a coragem. Não se pode ter tudo.

Sem comentários: