sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Musharraf

Não. O Bengalão não vai falar hoje das assinaturas de projectos que um jornal acusa o Ingenhêro de ter assinado sem ser o seu autor. O Bengalão não quer saber. Tanto se lhe dá que seja verdade ou não. O único interesse que poderia haver na notícia, se se verificasse a sua veracidade, seria o de aferir a estatura ética do Ingenhêro. Ora o Bengalão não tem dúvidas da estatura moral do Ingenhêro. Assim sendo, não vê qualquer interesse na notícia.
Não. O Bengalão, hoje, quer falar de Musharraf. Há já algum tempo, o Bengalão ouviu o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros dizer que a União Europeia devia continuar a apoiar os esforços do General Musharraf para a democratização do Paquistão. O Bengalão não tem dúvidas de que o Senhor Ministro não estava a ser irónico. A ironia pressupõe alguma inteligência e, pelo menos, um soprozinho de ideias próprias. Ora, das muitas vezes que ouviu e leu as palavras do Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros, o Bengalão nunca vislumbrou nem uma nem outras. De política externa, o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros parece saber que, pois, a Índia é a maior democracia do mundo, pois que a União Europeia tem uma coisa a que se chama valores, pois que Portugal tem uma vertente atlântica que é muito importante. E também sabe que nunca houve voos da CIA a passar em Portugal.
Ora bem. Este prócere da democracia (o Musharraf, não o outro), há uns tempos quis ser candidato à Presidência da República. Acontece muitas vezes a ditadores, depois dos golpes de Estado que os levaram ao poder. E as eleições sempre podem permitir ao Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros dizer que o Paquistão é, se não uma das maiores democracias do mundo, pelo menos quase. Mas acontece que o Supremo Tribunal do Paquistão veio dizer que a Constituição do País proibia a recandidatura do General, Chefe do Estado Maior-General das Forças Armadas, Primeiro-Ministro de facto (o itálico permite que se saiba que o Bengalão sabe latim) e Presidente da República.
Que tudo seja claro. O Bengalão não pretende conhecer a fundo as minúcias e meandros da Constituição de um país como o Paquistão, cuja cultura oriental e milenar, aliada à influência islâmica, lhe dá o hábito de escrever textos jurídicos ao lado dos quais o Tratado de Lisboa é um monumento de clareza e concisão. Não sabe assim o Bengalão se o Tribunal tinha razão, ou se se tratava de uma cabala (e não deixa de ter piada pensarmos no Supremo Tribunal do Paquistão metido numa cabala) para afastar o Senhor General, que o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros considera o ventre que há-de parir a democracia, para espanto dos povos e lucro das empresas da nossa aldeia global, da reeleição.
O que fez, perante esta crise, o Senhor General, o Pai da Democracia? Demitiu os Juízes que eram contra a sua recandidatura e substituiu-os por outros, mais complacentes. O Supremo Tribunal reconsiderou, o Senhor General será candidato e tudo vai acabar bem. Quereis solução mais eficiente, mais simples, mais elegante, mais digna de um verdadeiro MBA de Chicago?
O Bengalão imagina que o Leitor, que no fundo é humano, que vem aqui à procura de novidades frescas, de produto nacional, não esteja muito contente com este caril requentado, quando estava à espera de um bom cozido à Portuguesa. Tem paciência, Leitor, lá chegaremos, o Bengalão é como os navegadores portugueses, que tiveram de dar a volta ao mundo para fazerem uma Pátria. Também o Bengalão, por muito longe que as palavras o levem, tem sempre o leme apontado a Portugal. E já vais ver, Leitor, que Mushrraf não está sozinho.
O Bengalão é um defensor do CAV (caro Leitor, o Bengalão não vê qualquer necessidade de usar a sigla francesa e acha que CAV - Comboio de Alta Velocidade - é bem melhor que TGV. O comboio é mais agradável, menos poluidor e agora pouco mais lento que o avião. O Bengalão acha, assim, que o CAV pode ser uma excelente solução para Portugal e para as suas relações, nomeadamente com a Espanha. Ora aí está uma coisa em que o Bengalão está de acordo com o Ingenhêro.
O Bengalão sabe que a construção das infraestruturas do CAV põe muitos problemas ambientais e que, no fim, nem tudo será perfeito. Que haverá pessoas que serão prejudicadas. O Bengalão espera que elas sejam devidamente indeminizadas, mas haverá, há sempre, pessoas prejudicadas. Mas a política é exactamente a arte do equilíbrio da decisão. E não há grandes decisões que não prejudiquem alguém. O Bengalão sabe isto. O Ingenhêro também sabe. Por isso, o Ingenhêro, ou alguém por ele, fez o que devia: encomendou um estudo de impacto ambiental.
O Leitor deve estar a pensar que deve ser do Carnaval. O Bengalão a dizer bem do Ingenhêro? O mundo está do avesso?
Mas quantas vezes tem o Bengalão de recomendar ao Leitor a virtude da paciência? Calma, Leitor, não queiras ir mais depressa que o CAV.
O que aconteceu, então, ao estudo de impacto ambiental? Aqui o Bengalão hesita na escolha das palavras justas. Custa-lhe dizer o que aconteceu. Parece que os técnicos que deviam fazer o estudo tiveram muitas dúvidas sobre o traçado proposto, que atravessa mesmo uma povoação. (Já reparaste, Leitor, que, quando uma coisa destas, uma linha de alta tensão, uma linha de comboio, uma estação de tratamento de águas ou de lixos tem de ser instalada perto, ou mesmo dentro de uma povoação, nunca é na Quinta da Marinha?). Os técnicos tinham, assim, muitas dúvidas sobre o traçado. Que fazer? como dizia o Lenine e o mau teatro, como resolver o impasse? A solução, elegante, simples, eficiente, digna dos MBA de Chicago a quem o Ingenhêro paga, com o nosso dinheiro, fortunas em consultadoria, foi encontrada. Foram demitidos os técnicos, substituidos por outros. E pronto, não se fala mais nisso. O CAV pode avançar, a toda a velocidade, sem que ninguém possa acusar o Ingenhêro de não ter feito o necessário estudo.
O Bengalão aconselha o Ingenhêro a fazer uma nova remodelação governamental. Livre-se do Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros. Porque, se não, arrisca-se o Ingenhêro a ouvir o Senhor Ministro, com aquele ar sério que ele sabe pôr, bem penteadinho, dizer a quem o quiser ouvir que a União Europeia deve continuar a apoiar os esforços do Ingenhêro para a democratização de Portugal.

2 comentários:

Isabel Magalhães disse...

Genial! :)))


Tenha um bom fim de semana!

Anónimo disse...

Os srs têm toda a razão. O Ingenheiro e o seu governo deviam era fazer como o inteligente Bush e tornar o Paquistão num almejado Paraíso, igual ao que foi feito no Iraque. Nós só temos cabeças.