segunda-feira, 24 de março de 2008

A Inocência dos Talibans

Acalma-te, Leitor. Quando O Bengalão deixa entrever que considera os Talibans inocentes, não afirma com isso que ache que eles sejam inóxios, palavra que, como tu bem sabes, significa probos, sem culpa. Não. Nem O Bengalão se acha capaz de determinar a culpa de seja quem for, mesmo de Talibans. O que O Bengalão quer dizer é que eles são ingénuos, ignaros, que são outros sentidos da palavra inocentes. Todos os Talibans são ingénuos. Acreditam que conhecem a verdade. E que a verdade (eles dizem a Verdade) é fácil de adquirir. Basta ouvir o discurso certo, ler o livro indicado, andar na escola correcta. E, desde já to digo, Leitor, que os Talibans não são só muçulmanos. Não. Em todas as religiões há Talibans. Mais. Os Talibans estão longe de se manifestar apenas na vida religiosa. Em todos os sectores da actividade humana há Talibans. Nunca ouviste, Leitor, um economista dizer, contra toda a evidência, que o Mercado resolve todos os problemas?
A Educação em Portugal é dominada, desde há muitos anos, por Talibans. A coisa passou-se assim: Como em todos os sectores, sempre houve na Educação pessoas que não gostavam do que faziam, que não tinham paciência para os alunos, que eram professores porque era o emprego que tinham mais à mão, ou apenas porque sim. Muitas destas pessoas estavam longe de ser estúpidas e perceberam que, movendo os cordelinhos certos, poderiam passar umas temporadas deslocados nos serviços centrais do Ministério da Educação, o que lhes evitava a maçada de terem de dar aulas. Algumas destas pessoas eram ainda menos estúpidas do que as outras e perceberam que, se se tornassem indispensáveis enquanto lá estivessem, podiam lá ficar. Para sempre. Sem terem de aturar alunos. A darem ordens, em vez de as receberem.
E inventaram uma linguagem própria, que só eles dominavam e compreendiam. E enredaram todo o Ministério numa teia que impedia qualquer movimento que não fosse o seu. E, como todos os Talibans, resumiram a sua verdade em Dois Princípios Imutáveis:
Primeiro Princípio Imutável: NÃO HÁ RAPAZES MAUS
Segundo Princípio Imutável: Como dizia um escritor americano que O Bengalão, na sua juventude, lia com frequência, COM OS RECURSOS ADEQUADOS E COM O TEMPO NECESSÁRIO, É POSSÍVEL ENSINAR CÁLCULO DIFERENCIAL A UM CAVALO.
A Lurdinhas, a Taliban de Almofala, é um exemplo acabado deste fundamentalismo. A Senhora tem certezas. A Senhora sabe a Verdade. A Senhora sabe de quem é a culpa. E lançou uma fatwa sobre os Professores.
Nas cabeças destes iluminados, como não há rapazes maus e toda a gente é capaz de aprender tudo, a culpa da indisciplina na Escola e do insucesso dos alunos só pode ser dos Professores. Acham eles que os meninos podem ser ensinados sem terem de fazer esforço nenhum, que tudo numa sala de aula se pode resumir a uma eterna sessão de brincadeira. Defendem também que os processos mentais que fazem de um ser humano um ser humano esclarecido e capaz são de categorias hierarquicamente diferentes, em que o que eles chamam raciocínio é a zona nobre e o que eles chamam memória a zona brutal que devemos evitar a todo o custo desenvolver.
Nenhuma destas posições tem o mínimo fundamento teórico ou pragmático. São uma questão de fé.
A realidade, no entanto, não se compadece com crenças fantasistas. E, se a frase do Padre Américo exprimiu a generosidade e o amor de um homem bom, a mesma frase, na boca de uma Ministra da Educação, não revela nem generosidade nem amor. Revela apenas incompetência. Porque o mínimo que se exige a um ministro é que reconheça a realidade. E ele há rapazes maus.
Há mesmo rapazes maus que são perigosos. Não, Leitor. O Bengalão não se refere aos rapazes que levam as suas naifas para a Escola. Refere-se a outros, também eles individualmente perigosos e colectivamente catastróficos. Trata-se daqueles rapazes, e raparigas, filhos daqueles senhores que O Bengalão tem por vezes encontrado por aí, que se julgam endinheirados e que, depois de passarem uma semana numa praia para turistas no litoral brasileiro, com manhãs de praia, tardes de cerveja e noites de forró, dizem aos amigos: este ano vamos para Cabo Verde. O Brasil já conheço. Cada mulata, pá! Ih, Jasus!
Estes rapazes são perigosos porque são educados pelos paizinhos, que são umas bestas. A única maneira de os domar é dar poder às Escolas e autoridade aos Professores. E a Lurdinhas diminui um e outra. Ao impedir as Escolas de tomar medidas disciplinares, ao ter um discurso de humilhação permanente para os Professores, que são por ela tratados como se fossem um bando de ignorantes preguiçosos, a Lurdinhas é responsável por uma calamidade que, se não foi criada por ela, foi por ela agravada. E recordemos que a Lurdinhas quer que os Professores sejam avaliados por estas barrigas bronzeadas.
O Bengalão está longe de pensar que todos os Professores são competentes e dedicados. Não são. E uma parte da responsabilidade disso é de quem decidiu que podia haver praticamente uma Universidade em cada aldeia de Portugal. De quem permite que um cidadão possa passar para o 10º ano com negativa a matemática, fazer os três últimos anos do secundário sem essa disciplina, entrar em certas Escolas Superiores de Educação, ter um semestre de matemática nos quatro anos de estudo e, depois, dar aulas, entre outras coisas, de matemática. Ou seja, do Ministério da Educação.
É por isso que O Bengalão pensa que a Lurdinhas, a Taliban de Almofala, é inocente como todos os Talibans. O que está longe de a tornar menos culpada.

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