domingo, 18 de maio de 2008

A Televisão e os Populares

A história conta-se em três penadas. Um agricultor transmontano, de 65 anos, calculou mal uma manobra quando conduzia o seu tractor, este virou-se, matando o infeliz. Foi um acidente banal e frequente, num país em que o Governo ainda não se lembrou de proibir a venda de tractores sem cobertura de protecção.
Ora O Bengalão soube do caso pelo Telejornal. O que fez a Televisão? Pois tentou transformar isto num espectáculo, que é o que sempre faz. Se a Televisão tivesse algum pudor e alguma decência, nem sequer tinha dado a notícia, que só é relevante para a família enlutada, deixando esta na paz que se quer para todas as coisas importantes da vida, ou seja, o nascimento e a morte. Se fosse competente, a Televisão tinha imediatamente encarregado um dos seus jornalistas de começar a preparar um programa de investigação, para que nós, daqui a uns meses soubéssemos quantas pessoas morrem em Portugal por ano em acidentes destes, e a razão pela qual o Governo não entende que se justifiquem regras de protecção para quem, por não ter instrumentos de trabalho seguros, morre a trabalhar.
Mas a Televisão não é nem decente, nem competente. E, assim, como o Fernando Mendes não estava disponível para a reportagem, enviou para o local uma lambisgoiazita a fingir de jornalista, que chegou a uma cena gritante de vazia, em que não havia já nem tractor, nem cadáver, nem sequer, ao menos, viúva lacrimejante ou filho inconsolável.
A lambisgoia, em desespero de causa, aplicou o Artigo único do Livro de Estilo da RTP: Quando, por circunstâncias imprevisíveis, a viúva, sem qualquer respeito pela Comunicação Social, se recolher ao recato da sua casa para começar a chorar o seu morto, antes da Televisão poder recolher as lágrimas que lhe cabem, deve entrevistar-se um Popular. Foi o que fez a lambisgoia. A resposta do Popular, identificado em rodapé como "Testemunha" foi modelar: pois, sabe, eu quando cá cheguei já estavam a tirar o corpo. Não tinha, portanto, assistido a coisa nenhuma. A lambisgoia, persistente, não desistiu. E entrevistou o Comandante dos Bombeiros de Bragança que, fardado e tudo, declarou: "Quando chegámos, a vítima estava em estado de cadáver". Se repararmos bem, a profundidade da declaração é imensa. A morte é um estado. A vida também. A isto se chama teoria quântica da vida. Os ares de Trás-os-Montes fazem milagres.
A atracção da Televisão pelos Populares é extraordinária. E O Bengalão confessa que tem um sonho na vida. Estar presente quando aconteça um destes desastres em que a vida é pródiga, só para que, quando a lambisgoia de serviço avançar para O Bengalão, de microfone em riste, dizendo, com aquela voz ondulada que eles aprendem agora nas Faculdades de Comunicação Social, Senhores espectadores, o cenário é indescritível, temos aqui um Popular (o Popular é O Bengalão), O Bengalão lhe poder dizer, em directo e ao vivo: Vai chamar Popular ao cqtf.

1 comentário:

com senso disse...

Pois gostaria muito de ver essa cena. Já eu próprio tenho tido muitas vezes essa vontade.... E não me admiro que um dia haja alguém a fazê-lo!
Vi a reportagem lambisgoiosa, vergonhosa e lamentosa. Uma tristeza a nossa comunicação social...